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Entrevista: Vivendo a investigação

Para o delegado Targino Donizete Osório, tudo pode ser pista e ajudar a esclarecer um crime complexo, como os ocorridos na cidade no último ano (Alfredo Risk)

Por Adalberto Luque 

Natural de Ribeirão Preto, fala mansa, memória altamente privilegiada e sempre atento a todos os detalhes, Targino Donizete Osório tem 38 anos só na Delegacia de Investigações Gerais (DIG). Ele e sua equipe estiveram à frente dos grandes casos de autoria desconhecida e de repercussão esclarecidos na cidade nos últimos meses. 

Ingressando como investigador, tornou-se delegado e grande parte de sua carreira foi trabalhando em investigações que partiam do zero, até resultarem nas maiores condenações para os autores.  

E foi do zero que ele esclareceu crimes como o latrocínio do engenheiro Paulo Roberto Carvalho Pena Braga Filho, morto em dezembro do ano passado. Em entrevista exclusiva ao Tribuna Ribeirão, o delegado titular da DIG da Divisão Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de Ribeirão Preto conta detalhes sobre o caso e revela sua paixão por investigar. 

 

Tribuna Ribeirão – Quanto tempo o senhor tem de DIG?  

Targino Donizete Osório – Como delegado DIG, em Sertãozinho são 18 anos. Em Ribeirão Preto estou há um ano. Mas fui investigador da DIG Ribeirão Preto durante 18 anos.  

Tribuna Ribeirão – A investigação está no seu sangue desde seu ingresso na Polícia Civil? 

Targino Donizete Osório – Trabalhei na iniciativa privada desde os 12 anos. Depois ingressei na polícia em 1976. Tinha 19 anos. A vida inteira foi só polícia.  

Tribuna Ribeirão – O senhor vive polícia 24 horas por dia? 

Targino Donizete Osório – Vivo.  

Tribuna Ribeirão – A DIG está sempre às voltas com casos de investigação complexa. Esse tipo de trabalho faz parte de sua vida?  

Targino Donizete Osório – Sempre. São vários casos complexos, vários casos difíceis, principalmente homicídios. 

Tribuna Ribeirão – E essas investigações geram penas mais rigorosas do que em crimes comuns.  

Targino Donizete Osório – Exatamente. Pena de homicídio e latrocínio são bem pesadas. 

Tribuna Ribeirão – Então o senhor é responsável por criminosos terem cumpridos milhares de anos de prisão, talvez milhões, somados durante toda a sua carreira. 

Targino Donizete Osório – Eu e minha equipe, claro. Trabalhei em Sertãozinho e nós fizemos vários casos. Fizemos dois tribunais do crime. Foram nove pessoas presas num caso e nove no outro.  

Tribuna Ribeirão – Sertãozinho é bem menor que Ribeirão Preto. Existe diferença entre os tipos de crime de autoria desconhecida nas duas cidades?  

Targino Donizete Osório – Basicamente a mesma coisa. Ocorre que aqui o volume é muito maior. Roubos aqui acontecem sete por dia. Em Sertãozinho é um ou dois.  

Tribuna Ribeirão – Antes a investigação era puramente intuição, tirocínio. Hoje tem a tecnologia. Muda alguma coisa na dinâmica da investigação? 

Targino Donizete Osório – O tirocínio é importantíssimo A tecnologia está aí. Os sistemas estão aí. Para encontrar algo no sistema, você precisa ter tirocínio. Um detalhezinho aqui, outro ali e você chega em alguém. Descobrir autoria, primeiro tem que ter tirocínio, para depois buscar na tecnologia, o que ela te dá. É igual a uma busca no Google. Se você digitar carne seca, vai achar uma variedade de carne seca. Se digitar seca carne, vai aparecer outras informações. Tem que ter esse jogo para trabalhar com a tecnologia e buscar informações. 

Tribuna Ribeirão – O caso do Beto Braga, o executivo dos EUA morto aqui, seria seu mais complexo, desde sua volta para Ribeirão Preto? 

Targino Donizete Osório – Aqui em Ribeirão sim.  

Tribuna Ribeirão – Como foram os bastidores deste caso, houve dificuldades? 

Targino Donizete Osório – Neste caso do engenheiro, o crime foi no dia 29 [de dezembro de 2023]. No dia 03 [de janeiro deste ano] nós já estávamos com a prisão temporária do Gabriel [Souza Brito] decretada. Encontrou o corpo dia 30, tínhamos a informação que ele teria alugado o apartamento. Sabíamos que era do Rio de Janeiro, mas era procedente de Salvador. Tínhamos o endereço dele de Salvador e no Rio. No dia 03 já tínhamos a temporária expedida. Aí começamos a trabalhar para tentar localizar ele lá no Rio. Sabíamos um endereço, mas a informação que veio para nós é que ele não morava mais nesse local. Nós trabalhamos de outra maneira, com outra tecnologia, outras informações e levantamos que ele estava num prédio em Copacabana. Depois vieram mais três endereços ali próximos, em Copacabana, onde ele poderia estar. No dia seguinte, nosso pessoal foi para lá, de viatura, contataram o pessoal lá do Rio com mandado de busca e mandado de prisão. Lá, levantaram que ele estava morando na favela Pavão-Pavãozinho. O ingresso nas favelas lá depende de uma série de burocracias. Autorização, promotor tem que estar sabendo, juiz tem que estar sabendo. Como não sabíamos o local exato em que ele estava, achamos melhor abortar, trabalhar mais para localizar o endereço. Demos sorte porque, numa determinada noite, ele falou com a namorada dizendo que ia para a casa dela. Nós sabíamos o endereço que ela morava. Aí contatamos o pessoal do Rio, eles foram lá e efetuaram a prisão, em Nova Iguaçu. 

Tribuna Ribeirão – E o Marcelo Fernandes da Fonseca? Como conseguiram chegar até ele? 

Targino Donizete Osório – Foi mais ou menos igual. Tínhamos o extrato bancário da conta do Beto e lá aparecia o Marcelo. Então levantamos a qualificação dele. Sabíamos que ele estava em Diadema, mas não tínhamos o endereço. Aí com uma outra fonte, conseguimos o endereço. A equipe foi e capturou. 

Tribuna Ribeirão – Marcelo assumiu o roubo do celular e depois negou. Na reconstituição, ambos disseram ter dado o golpe fatal. Foi uma tentativa de ambos em confundir a investigação? 

Targino Donizete Osório – Pode ser. Na realidade eles querem sair fora do latrocínio [roubo seguido de morte], que a pena é maior. O celular o Marcelo negou, mas entregou pra outro, venderam e uma parte foi pra ele. 

Tribuna Ribeirão – Foi encontrada, somente a carcaça, sem a placa do celular. Isso prejudicou a investigação? 

Targino Donizete Osório – Prejudicar não. Mas na placa poderia ter informações a respeito do encontro. Mas está bem caracterizado. Eles tiveram o primeiro contato no dia 26 [de dezembro], nada além disso. 

Tribuna Ribeirão – Os dois devem ser indiciados por latrocínio? 

Targino Donizete Osório – Sim, latrocínio. 

Tribuna Ribeirão – E os outros dois por receptação? 

Targino Donizete Osório – Com certeza.  

Tribuna Ribeirão – O senhor está à frente de outro caso de grande repercussão, o latrocínio do PM aposentado Tremura. Como está essa investigação? 

Targino Donizete Osório – A investigação é bem complexa. As imagens estão sendo analisadas. Infelizmente ainda não temos nada, embora tenhamos divulgado uma imagem muito boa de um deles, mas não veio nenhuma informação. 

Tribuna Ribeirão – Existe a possibilidade de que eles não sejam de Ribeirão Preto? 

Targino Donizete Osório – Um deles é possível. O que aparece nas imagens, ninguém conhece. Dos outros não dá pra afirmar isso. 

Tribuna Ribeirão – Eles teriam feito o assalto num posto de combustíveis do Ipiranga dias antes? 

Targino Donizete Osório – As características dos dois são idênticas. Mas não há confirmação. Sempre chega uma informação: ‘tem uma moto branca, era uma moto fan’. Que ano será a moto? Como está a moto? Primeira coisa, as imagens. Tem uma moto que nós pegamos a placa. Mas é dublê. A do outro não pegamos. Mesmo passando em vários pontos. 

Tribuna Ribeirão – Na DIG, a investigação quase sempre parte do zero. Como é trabalhar assim? 

Targino Donizete Osório – Vou te dar um exemplo lá antigo. O Kroll [Edgard Kroll Filho] era delegado em Sertãozinho. Estavam roubando fios na zona rural. Um dia ele foi a um local, haviam defecado, e ao lado havia um papel. Era a nota de uma empresa de material elétrico. Fomos ver quem era o eletricista e catamos ele. Eu peguei o caso do Amir Shaya, um israelense que foi baleado em Sertãozinho em 2008. Ele veio do Rio de Janeiro para cá. Hoje vive na Costa Rica. Era enrolado, não sei se era ou não traficante. Acho que teve algum envolvimento com gente da Colômbia. E tomou um tiro lá em Cruz das Posses. Caiu na mão do Targino. Cara baleado no HC. Tomou tiro até na boca. O cara que estava com ele só falava inglês. O Targino não fala. O Amir não falava nada, porque está na UTI. Aí peguei o parceiro chamado Gil. Perguntei em qual hotel eles estavam hospedados. Fomos no hotel ao lado do Novo Shopping. Fomos no apartamento. Fui no lixo e achei uma recarga de celular. Era o telefone da mulher que deu os tiros nele. Levantamos a mulher, peguei a foto dela, levei pra ele, mostrei e ele confirmou. Complexo. Descobrimos que ela veio de Jaboticabal. Passou em Sertãozinho. Ela veio de táxi. Sabíamos que era um Fiesta meio alaranjado. Como ela veio de Jaboticabal, o Edmar, meu investigador me falou: “doutor, vi um Fiesta lá na Rodoviária. Parece que é o Fiesta que levou essa mulher”. Eu disse: “Faz o seguinte, vai lá e diz que nós prendemos a mulher, que ela foi presa terça-feira e disse que o senhor a levou para Ribeirão Preto e a gente precisa ouvir o senhor.” E ele fez isso. O motorista confirmou e disse que ela até esqueceu a agenda e uma calculadora no carro. Essa mulher que hoje está foragida, é advogada. Pegou 18 anos de cadeia. Quando ela ficou na minha frente, eu disse: “Aqui você não precisa falar nada. Está tudo provado. Você fala o que quiser, se não quiser, tá tudo provado.”. A advogada dela ficou brava. Então são coisinhas que se vai pegando.  

Tribuna Ribeirão – Durante esse tempo, o senhor fez inimizades, chegou a ser ameaçado? 

Targino Donizete Osório – Ache alguém que fale mal do Targino. Eu não trabalho com ódio. Respeito todos.   

Tribuna Ribeirão – Tem caso perdido para a DIG? 

Targino Donizete Osório – Perdido não. Fica no limbo. Aqui no Brasil tem uma dificuldade. Tem prazo de inquérito. Se não consegue nada, tem que relatar. Não concordo muito com isso, mas é a legislação. Acho que, se não esclareceu, fica aí. Tem que estar aqui na minha mesa, pra eu estar toda hora vendo. Nos Estados Unidos é assim.  

Tribuna Ribeirão – O senhor pensa em aposentadoria? 

Targino Donizete Osório – Um dia tenho que ir embora. Não agora. Enquanto tiver pique, condições para trabalhar, seja física e cabeça, nessas condições, tranquilo. Hoje vou pra casa, trabalho em casa. À noite estou vendo B.O. Vivo isso. 

 

 

 

 

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