O professor João Paulo Mardegan Issa, da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – USP, de Ribeirão Preto, publicou o livro “Tratado de Balística: Bases Técnico-científicas, Médico-Legais e Aplicações Periciais”. A obra inova ao trazer a balística como uma ciência independente e sua interface com as ciências forenses, com o direito e com as ciências da saúde. O livro foi prefaciado pelo Superintendente da Polícia Federal de Brasília (gestão 2018-2022), Victor Cesar Carvalho dos Santos, e tem a introdução elaborada pelo desembargador da esfera criminal e atual vice decano do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), José Damião Pinheiro Machado Cogan.
O tratado também apresenta a aplicação da balística no contexto acadêmico-científico – linha de pesquisa do professor Issa, com destaque para o uso de materiais simuladores do dano tecidual em lesões causadas por projéteis de arma de fogo – uma interface que, segundo o professor, ainda é pouco explorada no Brasil.
O Tribuna Ribeirão conversou com o professor João Paulo Mardegan Issa sobre o trabalho.
Tribuna Ribeirão – Como surgiu o seu interesse pela área de balística?
João Paulo Mardegan Issa – A balística é uma área que figura em várias vertentes como jurídica, policial e médica. São várias interfaces, que inclusive foi o foco do meu livro, justamente por ter essa perspicácia de correlacionar esse assunto. Mas originalmente, eu ministrava aula na área de anatomia e nessa área existem muitas situações como necrópsia, envolvendo cadáveres, muitos óbitos que vêm de projéteis de armas de fogo. Associado a isso, eu tinha um conhecimento prévio na área de biomateriais. Então conseguimos correlacionar a questão da balística e tentar desenvolver a gelatina balística, porque ela nada mais é que um material simulador, para ver a questão de desempenho balístico. Então o conhecimento na área da saúde que nos levou a correlacionar com essa situação da balística.
Tribuna Ribeirão – O livro é fruto de quanto tempo de pesquisa? Me fale quais foram as principais dificuldades que o senhor encontrou.
João Paulo Mardegan Issa – O livro foi fruto de três anos de trabalho. A dificuldade maior que nós tivemos primeiramente foi reunir uma equipe, porque o livro tem 17 capítulos na vertente da balística e nas áreas correlatas e justamente alinhavar conhecimento e conteúdo, de forma a não ser repetitivo em algumas coisas. A equipe também precisava estar em sintonia para entregar os conteúdos nos prazos. Mas uma dificuldade que eu sempre coloco é encontrar uma editora que aceite publicar a obra. Nós lançamos pela Editora Santos, uma editora que tem uma qualidade de impressão fantástica e enalteço todo o trabalho técnico desenvolvido por eles.
Tribuna Ribeirão – Como o livro pode contribuir para as áreas de saúde, jurídicas e de segurança?
João Paulo Mardegan Issa – Essas questões refletem todo o conteúdo dessa obra. Inclusive a colocação do termo “Tratado” foi justamente pela complexidade desta obra. Então primeiramente como mencionei anteriormente, o livro, ele tem todas essas interfaces e nesse contexto nós dividimos a obra em cinco grandes partes. A parte I, contém os conceitos históricos, introdução, aonde abordamos a balística como uma ciência, conceitos fundamentais em balística, projéteis de alta e baixa velocidade, o tiro de precisão e suas aplicações e aspectos práticos e operacionais sobre o uso de arma de fogo. Na parte II, abordamos a balística forense com interface em outras ciências. Neste contexto abordamos conceitos de arma de fogo, munições e o confronto micro balístico – muito importante para área pericial -, a química forense, a radiologia forense e suas aplicações e a enfermagem forense como uma interface dentro da balística. Na parte III pegamos alguns fundamentos de traumatologia, aonde entra principalmente a área médica como conceitos de trauma aplicados a balística, atendimento de emergência a vítima com perfuração por arma de fogo e atendimento pré-hospitalar como uma alternativa de sobrevivência. Na parte IV trabalhamos a questão de equipamento e normas técnicas, onde nós pegamos a questão de certificação de equipamentos policiais e os princípios físicos dos acessórios e complementos de armas de fogo e proteção balística. Por fim, na parte V, temos os conceitos de anatomia e os estudos sobre o ferimento balístico, onde abordamos as distribuições anatômicas das lesões por armas de fogo e os materiais simuladores de danos teciduais e o estudo da balística terminal onde apresentamos a gelatina balística que eu e Dr. Lucas, meu orientado, hoje no doutorado, desenvolvemos e figuramos como os responsáveis intelectuais por esse material que está aí em registro de patente no INPE, como material simulador, obedecendo rigorosamente os padrões do FBI. Aqui inclusive eu destaco que esse material foi alvo de vários testes, e depois foi quase um ano de sabatinas para a questão de ineditismo, para então obter o número de registro dessa patente.
Tribuna Ribeirão – Na reportagem do Jornal da USP é mencionado que a pesquisa pode contribuir no uso de materiais simuladores do dano tecidual em lesões causadas por projéteis de arma de fogo – uma interface que é pouco explorada no Brasil. Poderia explicar?
João Paulo Mardegan Issa – Eu destaco que não só a questão de arma de fogo, mas outras situações como armas brancas, nós podemos fazer estudos envolvendo esse cenário, pois ela se tratando de um material simulador, nós podemos fazer vários testes envolvendo o tipo de dano que esse objeto está causando. Pode servir também como meio de teste de uso laboratorial para treinar um cirurgião, pensando na aplicação da área médica, antes dele operar um paciente, usar como material simulador, com uma consistência de tecido humano. Então, pensando no cenário bélico de segurança pública, nós testamos 78 tipos de munições derivadas de armas curtas e traçamos um protocolo de desempenho balístico, onde avaliamos principalmente penetrabilidade e expansão desses projéteis de arma de fogo. Isso inclusive é um trabalho inédito que estamos em via de publicação para justamente catalogar e ver características individuais que auxiliaria muito para elencar a seleção de um determinado calibre, tipo de munição para uma força pública, um trabalho inédito sendo realizado não só no âmbito nacional, mas também internacional.