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Cultura

Entre vários projetos, Miguel Falabella estreia filme ‘Veneza’, ode aos sonhos

Por Ubiratan Brasil

Em junho de 2020, Miguel Falabella deixou a Globo, depois de 40 anos de casa. E, ao invés de se lamentar, ele aproveitou o horizonte aberto para se diversificar: quando completa um ano sem contrato fixo, o ator, diretor e roteirista enumera uma série de projetos realizados ou próximos do ponto final, como a tradução de um livro infantil, a criação de uma série para o streaming, a versão filmada de uma de suas peças e, finalmente, a estreia de sua obra mais acarinhada, o filme Veneza.

“É o trabalho que marca minha maturidade artística”, comenta ele, emocionado. De fato, se sua estreia como cineasta em 2008, com Polaróides Urbanas, foi um primeiro exercício com a linguagem cinematográfica, agora Falabella dá um salto qualitativo, realizando um longa marcado por uma sofisticada narrativa, com inspiração em mestres como Federico Fellini e Luchino Visconti.

Com estreia prevista para o dia 17, Veneza se concentra na história de Gringa, dona de um bordel no interior do Brasil que, mesmo cega e doente, sonha em viajar para a cidade italiana, onde acredita que vai reencontrar um amante que ela abandonou na juventude. Com a impossibilidade financeira de realizar tal desejo, seus amigos simulam a viagem com a ajuda de artistas de circo, usando a fantasia e deixando-a feliz.

“É um filme poético, inspirado nas fábulas latinas, que permite encher a vida de metáforas”, conta Falabella que, para escrever o roteiro, partiu de uma peça do argentino Jorge Accame. “O original é curto, então fiz algumas adaptações, criando, por exemplo, uma trama paralela sobre uma garota de programa que se apaixona por um rapaz que sonha ser trans e tem ereção quando se veste de mulher.”

Veneza tornou-se um produto bem acabado por conta da conjunção de talentos envolvidos. A começar pelo elenco – Dira Paes vive a administradora do bordel e conta com o auxílio de um rapaz interpretado por Eduardo Moscovis. Já os papéis das prostitutas são distribuídos para Danielle Winits, Carol Castro, Laura Lobo e Maria Eduarda de Carvalho. Mulheres que lutam para sonhar e que vivem cenas voluptuosas, com as quais Falabella homenageia as divas, especialmente as italianas. “Os seios significam uma ode ao prazer”, conta ele que, para o papel da Gringa, necessitava de uma atriz estrangeira.

“Como trabalhei muito na Argentina, minha primeira opção foi Norma Aleandro, uma verdadeira diva, mas, na época (2019), com 83 anos, ela não se sentiu à vontade e sugeriu uma colega com quem divide o mesmo agente artístico: a espanhola Carmen Maura”, relembra Falabella que, embora descrente, enviou o roteiro para a atriz que marcou o início da carreira de Pedro Almodóvar. “Para minha surpresa, ela telefonou dias depois dizendo aceitar o papel. Carmen foi encantadora, e ainda traz nos olhos o brilho da Movida Madrilenha”, observa ele, sobre o movimento de contracultura que sacolejou Madri nos anos 1970, na transição pós-franquista.

Apesar do elenco de primeira linha, o projeto não encontrava financiadores, a maioria temerosos com o fato de o filme ter prostitutas como protagonistas. Quem revelou sensibilidade artística foi Julio Uchôa, que abraçou a empreitada. Mesmo assim, com produção reduzida – foram apenas 28 dias de filmagem, distribuídos em locações como Quissamã (RJ), Montevidéu (Uruguai), Rio e Veneza, propriamente, na qual filmaram durante três noites.

O filme, no entanto, traz magia nas cores fortes da fotografia de Gustavo Hadba, especialmente nas cenas de magia em que Gringa imagina estar passeando de gôndola em Veneza, uma simulação feita pelos amigos que sua cegueira não permite descobrir. “É um mundo colorido em meio a uma vida cruel”, observa Falabella que, além de Fellini, trouxe referências de outro grande cineasta italiano, Luchino Visconti, especialmente de seu longa Senso – A Sedução da Carne. “Quando hoje revejo Veneza, tenho a impressão de que todos os personagens já estavam mortos, era apenas a recordação de uma fatia da história. São muitas camadas, o que me deixa orgulhoso desse trabalho e me dá mais certeza de que vai ganhar reconhecimento com o tempo.”

Enquanto prepara a estreia do longa, Falabella divide-se em outros projetos. Como o da criação da série O Coro para a Disney+, sobre jovens talentos que buscam o estrelato no teatro musical. Serão nove protagonistas e o elenco já conta com nomes do quilate de Sara Sarres, Guilherme Magon e Daniel Rangel. “Quero homenagear a música brasileira e cada episódio será dedicado a temas como Jovem Guarda, festivais da canção, rock dos anos 1980, sertanejo.” O início das gravações está previsto para agosto.

Na agenda do ator/roteirista, há ainda brecha para cuidar da adaptação de sua peça O Som e a Sílaba, que montou com Alessandra Maestrini, em outro projeto para a Disney+. Paralelamente, Falabella busca os últimos detalhes para finalizar Marrom – O Musical, espetáculo produzido por Jô Santana sobre a vida da sambista Alcione. Já foram várias conversas para ajudar no roteiro, em viagens para o Maranhão. “Alcione é fascinante, mas também não é fácil – alguns detalhes ela não deixa escapar”, diverte-se Falabella, referindo-se aos amores da cantora.

Na agenda do ator/roteirista, há ainda brecha para cuidar da adaptação de sua peça O Som e a Sílaba, que ele escreveu especialmente para Alessandra Maestrini e Mirna Rubim, cantoras-atrizes com registro lírico, em 2017. Será outro projeto para a Disney+, que a transformará em uma série de 10 episódios.

O gosto por desvendar os mistérios do idioma também o convenceram a fazer a tradução de As Travessuras de Pedro Coelho (Ciranda Cultural), clássico infantil da inglesa Beatrix Potter, cuja trajetória inspirou o filme Miss Potter. Embora o texto seja direcionado para crianças, a autora criou diversas armadilhas linguísticas. “Foi trabalhoso porque ela brinca com a língua em seu universo infantil – há rimas internas e um ritmo muito particular”, explica Falabella que, atualmente, se ocupa de mais um projeto, intitulado Querido Mundo e do qual apenas diz ser um “passeio nos gêneros”. Para ele, o tempo não tem limites.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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