Um grupo de empresários, historiadores, advogados, profissionais liberais e representantes de instituições como a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) e Associação de Moradores da Vila Tibério (Amovita) reuniu-se na manhã de sábado, 14 de agosto, frente ao Lar Santana, com o objetivo de começar um movimento destinado a revitalizar o local.
O lar é um bem tombado pelo patrimônio histórico municipal e está abandonado há cerca de seis anos. Atualmente, parte da sua fiação elétrica e torneiras foram furtadas, peças históricas do interior do imóvel foram depredadas e toda a sua área externa está tomada por mato alto e ratos.
“O Lar Santana é uma referência para toda a nossa região e, em especial, para a Vila Tibério. O nosso interesse não é discutir as causas que geraram esta situação, mas encontrar saídas viáveis, inclusive algumas que tenham a ver com a autossustentabilidade financeira do imóvel”, diz o superintendente da Distrital Oeste da Acirp, Rogério Pais de Sousa.
“Esse foi o principal motivo de criarmos este movimento e fazemos questão de ter a Prefeitura, Câmara, Conppac e outras entidades como parte dele, porque acreditamos que o objetivo de todos é resgatar a dignidade deste imóvel”, afirma o superintendente da Distrital Oeste.
Para a presidente da Amovita, Tânia Murata, um dos objetivos a seguir é reunir os moradores para ouvir sugestões do futuro formato que o lar deve assumir. Uma das mais fortes é que se torne uma referência de toda a região na área da cultura e economia criativa. O prédio é tombadopelo Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac).
“Nós gostamos muito da ideia de fazer aqui um centro cultural, mas achamos que podemos ir além e juntar várias atividades, obviamente respeitando a história do prédio e as determinações dadas pelo Conppac. O ponto de partida de tudo é o respeito ao fato de estarmos lidando com um imóvel tombado e, para isso, pretendemos manter um canal de diálogo permanente com o Conppac”, ressalta.
Nesta semana, diversos representantes do movimento – que ainda não tem nome – pretendem iniciar uma série de visitas a representantes da prefeitura de Ribeirão Preto, Câmara de Vereadores e Conppac para convidá-los a participar do grupo e apresentar sugestões de uso sustentável do imóvel.
Entre as propostas apresentadas na reunião, por exemplo, está o uso da parte superior do prédio, que originalmente é uma capela, como um espaço ecumênico, que congregue integrantes de várias religiões. Outra ideia propõe que se crie uma área destinada a uma escola de gastronomia e a instalação de um café cultural, de modo que o imóvel possa ter uso noturno, também.
Um ponto comum a todas as propostas, apresentado pela historiadora e ex-diretora do Arquivo Público Histórico Municipal, Tânia Registro, é o uso de uma parte do prédio para a criação de um mini museu que conte a história da Vila Tibério e do próprio Lar.
“A Vila é um dos bairros mais antigos e tem uma história importante dentro da história de Ribeirão Preto. E, dentro dela, nas últimas décadas, o Lar Santana tem sido uma espécie de símbolo da Vila. Por isso, é importante que preservemos essa memória”, afirma.
Informações sobre o histórico Lar Santana
Em março do ano passado, a prefeitura de Ribeirão Preto anunciou que iria vai reformar o imóvel do antigo Lar Santana, localizado na rua Conselheiro Dantas nº 984, na Vila Tibério, Zona Oeste da cidade. O edital de licitação foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM) do dia 6 e as obras estavam orçadas em R$ 1,15 milhão.
Em 2019, a Câmara de Vereadores aprovou relatório da Comissão Especial de Estudos (CEE) que acompanha a ocupação e a destinação do Lar Santana para sediar equipamento público. A conclusão é de que o antigo prédio, fechado desde dezembro de 2016, já sofria com a depredação, furtos, roubos e sujeira, causando prejuízo ao imóvel e aos moradores da vizinhança.
Participaram da CEE do Lar Santana os vereadores Alessandro Maraca (MDB, presidente e relator), Elizeu Rocha (P) e o ex-vereador e lider do govermno Duarte Nogueira (PSD) na Câmara, André Trindade (DEM). O relatório foi encaminhado à prefeitura de Ribeirão Preto, ao Ministério Público Estadual e ao Grupo Amigos do Arquivo Público, que pretendia usar o imóvel como sede.
Fundado em 18 de janeiro de 1948, o Lar Santana nasceu com a missão de acolher crianças carentes. O orfanato sobreviveu durante décadas, até que em dezembro de 2014 a Ordem das Franciscanas anunciou sua desativação. Em 2015 a congregação optou pelo fechamento, já que o prédio de mais de 70 anos exigia um elevado investimento para a renovação do alvará do Corpo de Bombeiros.
No mesmo ano o prédio foi tombado pelo Conppac. A Câmara aprovou a lei ordinária municipal nº 13.432, de 22 de janeiro de 2015, instituindo o imóvel como patrimônio cultural, histórico e arquitetônico do município. Em 2016, o Legislativo aprovou a permuta do imóvel com dois terrenos municipais de valor de mercado equivalente (cerca de R$ 6 milhões) – lei complementar nº 2.791, de 31 de agosto.
O Lar Santana tem grande valor histórico por sua importância para a Vila Tibério e também por ter ocorrido lá a única prisão de uma religiosa feita pelo regime militar – em 1969, a ditadura prendeu a madre Maurina Borges da Silveira, depois torturada e vítima de assédio sexual na delegacia seccional de Polícia. Seus torturadores foram inclusive ex-comungados pela Igreja Católica. Libertada, banida do país e asilada no México, madre Maurina retornou ao Brasil e faleceu em 2011.
O agora próprio público municipal localiza-se no quadrilátero das ruas Conselheiro Dantas, Aurora, Jorge Lobato e Conselheiro Saraiva, totalizando 7.863,38 metros quadrados, tendo sido avaliado em R$ 5.970.954,13. Madre Maurina Borges da Silveira, a freira presa, acusada de subversão, torturada e banida do país durante a ditadura militar, morreu em março de 2011, em Araraquara, onde vivia num convento de sua comunidade, a Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição. A freira tinha 84 anos e sofria do Mal de Alzheimer.