O endividamento dos consumidores brasileiros “explodiu” durante a pandemia e poderá inibir o crescimento do consumo das famílias no atual cenário econômico, afirmou nesta quinta-feira, 19 de janeiro, o diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Guilherme Mercês.
Pesquisa
Conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) de dezembro, divulgada nesta quinta, a proporção de famílias brasileiras endividadas ficou em 77,9% do total, recorde da série histórica da Peic, iniciada em 2011. A média anual de 2022 ficou 7,0 pontos percentuais (p.p.) acima da média de 2021.
Na comparação com a média de 2019, antes da covid-19 se abater sobre a economia, a alta de 2022 é de 14,3 p.p. Em 2018, a Peic havia registrado o menor endividamento pela média anual, com 60,3% das famílias relatando possuírem dívidas. Os dados anuais apontam ainda que 17,6% dos entrevistados na Peic se consideraram “muito endividados”, também o maior nível da série histórica.
Renda
Segundo a CNC, isso significa que, a cada dez famílias brasileiras, em torno de duas comprometem mais da metade de sua renda como pagamento de dívidas. O perfil da pessoa endividada no Brasil é de uma mulher, com menos de 35 anos e ensino médio incompleto, moradora das regiões Sul ou Sudeste, cuja família recebe até dez salários mínimos (R$ 13.020, com base no valor atual de R$ 1.302).
Segundo Mercês, a explosão do endividamento provocado pela pandemia se deveu aos impactos negativos das restrições ao contato social sobre os negócios e o mercado de trabalho. Na sequência do auge das restrições ao contato social, houve um aumento “abrupto” da inflação.
Global
A alta da inflação se espalhou por todos os países, seguido, como reação, de uma “rápida” elevação na taxa básica de juros, a Selic. O Banco Central (BC) elevou os juros básicos de cerca de 2,0% ao ano para os atuais 13,75%. “O cenário atual reflete um quadro de famílias muito endividadas, que agora têm que carregar dívidas muito caras”, afirma Mercês.
Como resultado da combinação de excesso de endividamento com encarecimento dessas dívidas, os orçamentos domésticos estão apertados. Esse aperto se tenderá, no cenário atual, a resultar em moderação no consumo das famílias, mitigando, inclusive, os efeitos positivos da elevação dos pagamentos via transferência de renda.
Diante do quadro, é natural que a questão do endividamento excessivo estivesse na ordem do dia desde as eleições presidenciais do ano passado, disse Mercês. Segundo o economista, programas de refinanciamento de dívidas, como o que está sendo debatido pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são fundamentais, mas não resolvem o problema estrutural.
Boa Vista
“Em termos estruturais, o que vai resolver é uma taxa de juro mais baixa, para baixar o custo de crédito de forma geral”, afirmou Mercês. Segundo a Boa Vista, o número de registros de inadimplentes aumentou 3,6% em dezembro na comparação na margem e fechou o ano com alta de 19,9% em relação a 2021.
O indicador encerrou o quarto trimestre do ano passado 4,7% à frente da média observada no terceiro trimestre de 2022, também na série livre dos efeitos sazonais. Na comparação interanual, os dados apontam crescimento de 30,3% na comparação de dezembro de 2022 com dezembro de 2021.
O Indicador de Recuperação de Crédito da Boa Vista registrou crescimento de 15,4% em 2022 na comparação anual. O indicador subiu 2,9% em dezembro na comparação mensal dos dados dessazonalizados com novembro. Na comparação de dezembro de 2022 com dezembro de 2021, a variação foi de 30,9% nos dados originais.