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Encontro em Samarra

Sérgio Roxo da Fonseca *

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Taís Costa Roxo da Fonseca **
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Naqueles tempos antigos, Samarra era o nome outorgado a uma pequena localidade distante de Bagdá, no meio de um deserto. Os nomes dados aos locais, muitas vezes, confundem aqueles que transitam pelos caminhos do mundo. Mas tudo muda de nome! A Sri Lanka de hoje já foi Ceilão, e, no passado remoto habitou os versos de Camões, então batizada como Taprobana: “As armas e os barões assinalados, por mares nunca dantes navegados, chegaram ainda além da Taprobana”.

Tudo muda desde que permaneça no mesmo lugar. Segundo Eliot, o passado e o futuro desaguam permanentemente no presente. Tudo é presente. Jorge Luís Borges, em “Nova Refutação do Tempo” esclareceu que não se perde um grande amor.  Se num dia alguém tropeça numa esquina de Buenos Aires e sua memória é atingida pela lembrança de um grande amor vivido no passado, surge a memória a relíquia da convivência: “só se perde aquilo que nunca se teve”. O tempo não é arma para destruir um grande amor. E a relíquia da dor?

A historinha antiga tinha como palco uma cena arábica. Todos nós conhecíamos com o nome de “Encontro em Samarra” e foi eternizada pela narrativa de Somerset Maugham. Vamos a ela.

Dizia-se que em Bagdá um homem muito poderoso deu ordens ao seu servo ir à feira para fazer compras. O servo lá chegando notou que a Morte estava espiando seus passos, daqui para lá, de lá para cá. Voltou correndo para casa sem comprar nada. Morrendo de medo.

“Quer dizer que você tem mais medo da Morte do que de mim”? “Mil perdões, foi a resposta quase silenciosa”. 

“Como é a Morte”? O pobre homem então disse que a Morte nem era bonita e nem feia, nem alta e nem baixa, nem cabeluda e nem careca, mas com todas as rugas necessárias ao redor de olhos sangrentos, para ser identificada como a verdadeira viúva de todos nós.

O amo, que estimava o servo, perdoou a extensão do susto. A Morte espanta até as almas do outro mundo. “Tome o meu cavalo mais veloz e fuja pelo deserto, e permaneça quieto Samarra. Fique lá escondido enquanto tomo providências”. O pobre homem montou num veloz cavalo árabe e disparou pelo deserto correndo mais do que a própria sombra. E ficou escondido em Samarra.

O poderoso amo dirigiu-se então à feira para chamar a atenção da Morte. “Onde já se viu alguém em juízo perfeito assustar meu pobre servo”.

Lá chegando, logo-logo encontrou a dita cuja e passando dos gestos para as palavras, disse-lhe: “Morte morteira e mortiça, porque você assustou o meu pobre servo”?

A Morte estava abalada: “Eu não assustei o seu servo, ao contrário, foi ele quem me assustou. Eu tenho um encontro com ele daqui a pouco em Samarra. Como ele vai fazer para chegar lá na hora certa”?

Sem respostas. Todas as horas incertas são certas quando alguém sai correndo velozmente, no lombo de um cavalo branco, correndo pelo deserto, em busca do derradeiro encontro com aquela que não é grande e nem pequena, que não é gorda e nem magra, que tanto assusta como também é assustada. A Morte completou a sua tarefa em Samarra?

(O conto inspirou John Ohara que com a ideia dos árabes escreveu um romance nos EEUU).

* Advogado, professor doutor, procurador de Justiça aposentado e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras

** Advogada 

 

 

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