José Aparecido Da Silva*
Os estudiosos interessados no estudo das emoções, nos seus processos e nas interações destas com outras reações psicológicas têm, desde o início, manifestado igual interesse pela maneira como as emoções afetam nossas capacidades cognitivas. Um exemplo? A percepção do filósofo Aristóteles, em seus estudos retóricos, de que os sentimentos são condições que provocam mudanças e alterações em nossos julgamentos. Atualmente, uma busca rápida em bancos de dados já nos permite encontrar grande quantidade de trabalhos experimentais que têm desvendado a natureza dos efeitos das emoções sobre a cognição. Alguns destes têm explorado particularmente a relação das emoções com três dimensões cognitivas, a saber: atenção, memória e raciocínio lógico.
Atenção é o nome com que os psicólogos denominam nossa capacidade para focar num pensamento ou atividade particular. Em outras palavras, embora possa haver uma centena de coisas girando em nossas mentes, nós podemos treinar nosso foco mental para centrar-se em algumas delas a qualquer momento. Quando estamos relaxados, e não envolvidos por qualquer emoção em particular, nosso foco mental é relativamente distribuído e muitos pensamentos podem alcançar nossa consciência. É como se variássemos de um pensamento para outro numa verdadeira dança aleatória. Todavia, quando uma emoção ocorre, nosso foco mental repentinamente se contrai, centrando-se em um pequeno pensamento em detrimento de todos os outros. Esse pensamento é usualmente uma representação do objeto externo que causou a emoção. Um exemplo? Quando estamos preocupados, nossa mente focaliza sobre o objeto que nos preocupa. O medo nos faz concentrar sobre o que nos ameaça, ao passo que, o amor torna difícil pensarmos em algo que não seja o bem amado, mesmo em tempos pandêmicos. Emoções são frequentemente culpadas por distrair-nos. De modo que, por mais estranho que possa parecer, as emoções nos ajudam a focar nossa atenção em um determinado objeto. Obviamente, não há nenhuma contradição nisso, pois as emoções nos distraem de um pensamento a fim de que possamos prestar atenção a outro.
Além de afetar nossa atenção, as emoções também têm um papel importante na nossa memória. Similar à atenção, memória é altamente seletiva. Todos sabemos que relembramos apenas uma fração das coisas que experenciamos. Nosso espaço na memória é limitado. De modo que, temos que usá-lo de forma econômica, armazenando poucas coisas e esquecendo outras tantas, que não necessitam mais serem relembradas. Interessante relembrar aqui o conto “Funes, o Memorioso”, de Jorge Luís Borges (1899-1986), publicado pela primeira vez em 1944, no livro Ficciones. A narrativa trata de Irineu Funes, uruguaio que desde jovem tinha uma capacidade impressionante de memória e percepção: sempre se lembrava de nomes próprios e conseguia dizer as horas sem consultar o relógio. Após um acidente que o deixou paralítico, a já impressionante memória de Funes tornou-se infalível: nada escapava à sua memória, assim como à sua percepção. Para nós, entretanto, o que parece é que a vida dele se tornou miserável. As emoções, portanto, desempenham um importante papel na memória, tanto no modo como armazenamos nossas lembranças, como na maneira que reconstruímos os fatos quando os relembramos. Certamente, todos nós relembramos de modo diferente os três anos pandêmicos que nos grassaram.
Para além dos seus efeitos sobre a atenção e a memória, as emoções têm grande influência na tomada de decisão e no julgamento. Por exemplo, relembrem as diferentes descrições que as pessoas têm sobre acontecimentos históricos ou não envolvendo pessoas próximas ou pessoas muito distantes. As pessoas muito bem humoradas julgam uma mesma pessoa mais positivamente do que o fazem as mal humoradas. Há muito escritores, artistas, poetas, e mesmo advogados criminalistas, que exploram muito bem as condições emocionais em que a narrativa de um fato ocorreu. Por exemplo, nos assassinatos, nas agressividades e outros. Do mesmo modo, sabemos que, além da felicidade e do amor, a ansiedade, a depressão e o medo também afetam a maneira como nós vemos os outros. As pessoas medrosas e ansiosas fazem conexões entre fatos temporalmente muito afastados que nos surpreendem. Sabemos, também, que pessoas sequestradas acabam tendo sentimento positivo em relação ao seu sequestrador. Ocorrendo, às vezes, que, uma mulher sequestrada acaba se apaixonando por seu sequestrador.
Tomados juntos, inúmeros experimentos indicam a íntima interação entre emoção e cognição. Tal como a vela e a chama, nunca juntas e nunca separadas.
Professor Visitante da Universidade de Brasília (UnB-DF)*