Tribuna Ribeirão
Cultura

Émerson Gáspari lança seu oitavo livro

Para muitos, ele é o “poeta da bola”. Para outros, o “cronista do impossível”. Para nós, do TRI­BUNA RIBEIRÃO, é um velho parceiro, que já esteve inclusive aqui publicando um texto de ficção intitulado “Come-Fogo Eterno”, no qual descreve um confronto definitivo reunindo os maiores jogadores de dife­rentes épocas, dos dois clubes de nossa cidade.

Seja como for, Émerson Gáspari – escritor radicado em Ribeirão há 35 anos – está de volta. Desta vez, com seu oita­vo livro (indubitavelmente, o melhor de todos).

Sua carreira literária come­çou com a coleção de cinco vo­lumes de “Poetas da Bola – Fu­tebol para Saudosistas”, lançada num prazo recorde de 1017 dias. Depois, seria a vez da bio­grafia familiar “Reflexões de um Saudosista”. No ano passado, re­tornaria ao tema futebol com a obra “Um Filho chamado Grê­mio São-carlense”.

Após cinco anos “na estra­da” (como ele mesmo diz), o escritor independente decidiu fazer algo exclusivamente pelo social, com um volume todo escrito com finalidade de do­ação para um famoso site de futebol do Rio (www.museu­dapelada.com) que realiza um trabalho diferenciado junto às comunidades carentes da “Ci­dade Maravilhosa”.

Desta proposta resultou a obra “Meus Melhores Textos no Museu da Pelada”, que tem 300 páginas e reúne contos e crôni­cas publicadas ao longo de qua­tro meses e meio, naquela pági­na do Facebook, sob a forma de colaboração.

O resultado é uma combina­ção única de histórias e emoções que prendem o leitor do começo ao fim de cada texto.

Gáspari é um autor cinquen­tão que prima pelo saudosismo e emoção. Faz uso de uma técnica que batizou de “realidade amplia­da” quando, ao descrever uma cena, procura “travar” o texto, obrigando o tempo a passar em câmera lenta, aumentando assim – e muito – sua carga dramática.

Essa emoção exacerbada – por vezes levada ao limite extre­mo – agradou em cheio ao pú­blico leitor e com os seguidores do “Museu da Pelada” não foi di­ferente: semanalmente, choviam elogios rasgados ao escritor, que iam desde “vocês me fazem chorar de emoção com estes contos”, passando por “adoro ‘textos-Gáspari’, que nos fazem sentir ao lado dele, dentro do es­tádio”, chegando até declarações do tipo: “sugiro instituirmos um prêmio de literatura esportiva a ser entregue ao Émerson”.

“Tudo isso me envaidece, mas principalmente sinaliza de que há público para este gênero, ainda pouco explorado e pouco valorizado aqui no Brasil”, anali­sa o escritor.

A falta de tradição no culto à memória esportiva seria o maior problema, por ele apontado para isso, o que contribui para que muitas histórias se percam na cauda do tempo.

“A minha missão e a do próprio Museu é justamente a de atuarmos como uma espé­cie de arqueólogos do futebol. Tivemos iluminadas gerações de craques por muitas décadas, antes do futebol passar por esse processo mercadológico que o fez decair, diminuindo com isso, o interesse do torcedor. O que procuramos é expor jogos e jo­gadores esquecidos, é promover e participar de resenhas, é fo­mentar sua perpetuação e, no meu caso em particular, fazer uso de “realidades alternativas” nos meus textos, imaginan­do confrontos impossíveis de ocorrerem ou mesmo, “brin­car de Deus” algumas vezes e “reparar” certas injustiças que os “deuses do futebol” promo­veram em campo, ao longo dos anos”, explica.

O apresentador Milton Ne­ves (responsável pelo prefácio do primeiro livro de Émerson) em um de seus últimos programas na Band (o “Show do Esporte”) apresentou o mais novo livro do escritor ao vivo para todo o Bra­sil, recomendando sua leitura.

A propósito, os livros de Gáspari costumam contar com o prefácio de gente de peso. Este último não fugiu à regra, tendo sido prefaciado pelo “mitoló­gico” craque Paulo Cézar Caju, um dos heróis do Tri, no Méxi­co, em 1970 e um dos líderes do site do Museu, concebido pelo carioca Sérgio Pugliese, o qual assina o posfácio da obra.

Ao todo são dezesseis textos: parte deles reais, parte ficção.

O primeiro traz um conto que narra lamentações do fu­tebol brasileiro em seu próprio aniversário. Já o segundo – futu­rista – descreve o dia em que o “país do futebol” morreu.

Há também a “Copa Virtual de Todos os Tempos”, culminan­do com a final Brasil x Argentina e um duelo surreal entre Pelé e Maradona. Tem ainda, a “corre­ção” de todas as Copas Mundiais (especialmente as de 50 e 82), in­clusive com a inclusão das de 42 e 46. Quem as ganharia?

Mas não é só: a magia conti­nua no inusitado confronto en­tre Brasil-58 x Brasil-70.

De volta à realidade e por fa­lar em seleção, num outro capí­tulo, ele analisa minuciosamente o que ocorreu com o Brasil nessa Copa de 2018, traçando um ho­rizonte intrigante para o futuro.

Uma faceta do autor relativa­mente desconhecida do público, diz respeito ao seu lado pesqui­sador: foi ele quem descobriu (informação posteriormente difundida pelo mundo afora) que a dupla Pelé-Garrincha ja­mais havia perdido uma partida sequer, atuando junta pelo escre­te brasileiro.

Então, num exercício de pes­quisa e talento, ele se põe a des­crever de maneira leve, os tais quarenta jogos de invencibilida­de, ao longo de mais de oito anos pela seleção canarinho.

Em seguida, seu lado saudo­sista é aflorado em quatro capí­tulos dedicados a alguns gênios do futebol brasileiro.

O maior e mais impressio­nante deles, sem dúvida, é na verdade uma defesa histórica ao mito Pelé, que traz em 48 pági­nas, números pouco divulgados de sua carreira, curiosidades fí­sicas do “Rei do Futebol” que o tornaram diferenciado, compa­rações com seus “concorrentes” ao título de melhor do mundo, além da melhor parte: histórias desconhecidas do grande pú­blico, de suas atuações mais in­críveis, sobretudo pelos campos do nosso interior paulista; além de depoimentos impagáveis de quem o enfrentou em campo, por aqui.

Os demais capítulos home­nageiam e contribuem para a exata compreensão da grandeza de ídolos como o “Enciclopédia” Nilton Santos, o “Anjo das Per­nas Tortas” Garrincha, além do querido “Doutor Sócrates” e sua saga em Ribeirão Preto.

Torcedor estoico do Paulis­ta (por ser natural de Jundiaí) e defensor contumaz dos clubes interioranos, Émerson desfia uma série de jogos antológicos ocorridos em nosso estado, nos últimos cem anos. Alguns deles, verdadeiramente inacreditáveis!

Do incrível triunfo do Pau­listano, com direito a gol de mão de Friedenreich, na decisão pela Taça Competência, em 1919, ao primeiro duelo Come-Fogo da “era moderna”, em 1954.

Do Derby Campineiro “do século”, ao incrível gol de Russo do XV de Piracicaba, que cobrou escanteio, correu e cabeceou a bola para as redes – num mes­mo lance – em 1948. Da maior vitória no Derby Rio-Pretense, à estrondosa goleada da Ferroviá­ria no Palmeiras da Academia. Da maior vitória de São Carlos (bem no dia de seu centenário, obtida pelo hoje extinto Ban­deirantes) ao dia em que Ailton Lira perdeu o único pênalti de sua respeitável carreira.

Tem a conquista incontestá­vel da Portuguesa no Rio-SP de 1955, tem o dia em que o São Paulo fez o Santos de Pelé fugir de campo, tem o título alviverde no “Jogo da Lama” que inclusive o credenciou a disputar a Taça -Rio 51. Tem o maior placar já registrado em clássicos pelo país: Santos 7 x 6 Palmeiras em 1958. Sem falar no incomparável “tea­tro” do juiz que enganou toda a cidade de Santos, ao prolongar uma partida que ele havia secre­tamente terminado meia hora antes, apenas para poder “sair vivo” da Vila Belmiro, na deci­são da Libertadores /62.

Nos dois últimos textos, o autor arrebata o coração de to­dos com dois textos arrepiantes.
Primeiro, quando dá vazão às suas “memórias afetivas” em que se recorda de duas partidas que acompanhou (e até interfe­riu!) nos românticos anos 80.

Por fim, retorna ao lúdico e no derradeiro capítulo de sua obra, estremece o leitor com seu mais emocionante texto escrito até hoje: “Futebol no Céu”.

“Trata-se na verdade, de um conto que redigi às vésperas de uma cirurgia e da qual não ti­nha certeza se voltaria. Então, no texto me baseio nisso, acabo falecendo e tendo uma incrível experiência em outro plano, em que encontro os maiores joga­dores de todos os tempos sob a forma de crianças, num céu sur­preendente e que leva à reflexão. É um texto para fazer chorar, vi­brar, amar”, finaliza o autor.

Leia a seguir, alguns trechos – com exclusividade para o jornal TRIBUNA RIBEIRÃO – do livro:
“…é por essas e outras que ando convalescendo por aí: esvaziado de craques, mal administrado, sem a mesma credibilidade de antes, desde os tais 7×1. É por isso que eu, pobre futebol brasileiro, vou vivendo prati­camente das lembranças que um dia meu glorioso passado produziu, na cabeça de uma meia dúzia de abnegados saudosistas…”

“…pessimista foi do que mais me acusaram. Só desconhecem o fato de que o pessimista nada mais é do que um otimista melhor informado. Restou-me ao menos a consciência limpa de quem tudo fez para avisar até onde iríamos nesse fundo de poço em que se meteu nosso futebol brasileiro…”

“…Zoff salta e no puro reflexo agarra com dificuldades junto ao poste esquerdo. É o fim para nós; nosso futebol lúdico perdeu! Mas, inespe­radamente, o bandeirinha corre para o meio de campo e avisa Klein que a bola cruzou a linha de gol, sendo puxada em seguida pelo arqueiro italiano. Goooooooool do Brasiiiiiiiiiil… berra Luciano do Valle, na cabine de TV…”

“…Ghiggia já deixou Bigode para trás, invade pela direita e prepara-se para cruzar; Barbosa se adianta para cortar o centro, ante a invasão de três uruguaios na área. Minha respiração trava, o coração congela e pa­rece vir à boca: é agora, meu Deus! Gigghia pega de mal jeito na pelota, que mesmo assim, desgraçadamente, toma o rumo da meta. Vai entrar! Vamos perder! Não!!! Mas nosso goleiro salta feito gato para trás e com a ponta dos dedos, põe à escanteio. Uhhh!!! O som ecoa pelas arquiban­cadas. Imagino se essa bola entrasse e perdêssemos: Barbosa seria crucificado, massacrado: o maldito racismo disfarçadamente dando as caras de novo…”

“…eu, de minha parte, vou dormir com a consciência tranquila de quem não se deixa levar por interesses puramente comerciais, marqueteiros. Ninguém influencia minha opinião, muito menos rege o que eu penso. E o que eu penso, sinceramente, é que sou muito grato à Deus, por ter vivido num tempo em que ainda me foi possível ver Pelé jogar…”

“…Alfredo veio com a bola dominada pelo meio e à lançou por elevação na meia-lua para o “Doutor”, onde dois beques colados fungavam em seu cangote. O craque, de costas para o gol, saltou, matou no peito direcionando a pelota para a direita, girou o corpo e, sem deixa-la cair, acertou um tiro seco e preciso, no ângulo esquerdo da meta do goleiro Pedro Paulo, que sequer esboçou reação: foi o segundo dos sete gols que o “Magrão” faria, naquela tarde…”

“…eram 43 minutos; se Pedro Omar falhasse, não haveria tempo. Não se distanciou muito. Correu e bateu – não com a pancada costumeira – muito menos no canto; foi de uma frieza absurda. E então, o tempo pareceu congelar! A lama. O chute seco. O goleiro tombando para o lado esquerdo. A pelota se encaminhando para o centro da meta. Cláudio percebendo que iria passar da bola e retorcendo o corpo para tentar voltar à tempo. Um filete de suor à me escorrer pela têmpora. A engolida em seco dos torcedores. O desespero no rosto de meu pai…e então a bandeiras tremulando, os rojões, palmas, gritos, risos: a agonia que tomara conta do estádio se transformava no delírio de uma torcida sofrida, apaixonada e linda…”

“…não tenhas medo, amigo: no céu não há fome, guerra ou doenças! A idade é mera ilusão: o ancião, o velho, o adulto, o jovem e a criança são na verdade o mesmo ser, que apenas habitam o mesmo corpo em épocas diferentes. Aqui no céu somos crianças, pois é justamente nessa idade que possuímos o coração puro, livre de inveja, ganância, raiva, preconceito, avareza, vaidade, ódio. E não há tédio, pois diariamente assistimos às peladas dos maiores craques que já atuaram lá embaixo, em nossa liga celestial. Por serem crianças, eles não fazem faltas, não xingam, não brigam e atuam dentro do mais autêntico futebol-arte. Todos falam a mesma língua, pois aqui não há países, já que ninguém se faz dono de uma área, de um território. Note que nem juiz temos nas partidas: aqui no céu, ninguém julga ninguém…”

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