Tribuna Ribeirão
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Embaralhando as cartas

Luiz Paulo Tupynambá *
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Numa decisão considerada histórica, os países componentes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), na reunião de seus chefes de Estado que se encerrou na África do Sul em 24 de agosto, anunciaram a adesão de seis novos países para participarem do grupo: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Irã, Etiópia e Argentina. Somadas as populações dos novos países com as dos antigos membros, teremos pouco mais de quarenta e seis por cento da população mundial dentro do grupo.

A não inclusão da Indonésia, que ficou para uma próxima etapa, elevaria esse percentual acima dos cinquenta por cento. Num primeiro momento o Brasil não estava disposto a concordar com a inclusão de novos membros, mas acabou sendo voto vencido e como prêmio de consolação ganhou a menção de “apoio para a entrada no Conselho de Segurança da ONU em caráter permamente”. De quebra, emplacou a Argentina, que não era assim “tão candidata”. Companheiro é companheiro.

Histórica também porque, pela primeira vez, a ordem econômica mundial tende a deixar de ser ditada exclusivamente pelo Ocidente, branco e cristão, que tem  agora o contraponto de nações com maioria de habitantes de outras etnias, culturas, credos e direcionamento político. Parece que estamos assistindo ao enterro definitivo da antiga “guerra fria”, que se caracterizou pelo embate ideológico entre Estados Unidos e Europa contra a antiga União Soviética e seus países satélites.

A divisão “capitalismo” versus “comunismo” está cedendo de vez o espaço para um mundo novo, regido pela diversidade política, econômica e cultural. A nova realidade econômica, criada pela Revolução Tecnológica e acentuada exponencialmente, nos últimos anos, pela chegada da Inteligência Artificial, não contempla a dualidade como um fator decisivo para a tomada de decisões entre nações e não ajuda, como sabemos, o desenvolvimento das nações não protagonistas e a melhoria da condição de vida dos habitantes do nosso pequeno planeta azul.

Num primeiro olhar podemos entender que o movimento de ampliação do BRICS, teve forte influência da China, o país mais interessado em assumir papel mais importante no cenário geopolítico. Esse incremento de influência faz parte da agenda da Iniciativa Global lançada pelo presidente Xi, no ano de 2013. Muitos confundiram essa agenda com a construção de uma nova Rota da Seda, mas o investimento na infra-estrutura e na logística, seja em território chinês como em vários países na Ásia e na Europa, mostrou que o avanço chinês vai muito além do comércio bilateral.

Envolve financiamentos pesados em infra-estrutura para que o comércio exterior chinês tenha possibilidade de funcionar por terra e mar na direção oeste, deixando de ter uma apenas uma saída, que é a costa marítima chinesa, toda ela situada no Pacífico. Lembre-se que existe um “bloqueio branco” no Mar da China, com os Estados Unidos mantendo bases militares navais, aéreas e terrestres, inclusive nucleares, num cinturão que cerca a saída chinesa para o mar, que começa nas Filipinas, ao sul e vai até o norte, na Coréia do Sul. Resta China e Índia acertarem suas diferenças, para que o acesso da China ao Mar Índico seja melhorado, o que não parece ser fácil e continua sendo uma pedra no sapato da iniciativa do presidente chinês.

De qualquer forma, o primeiro grande impacto econômico e político deve ser a adoção, em breve, de uma nova forma de compensação de pagamentos, entre os membros do BRICS, que não tenha o dólar americano como referência preponderante no comércio exterior e na concessão de financiamentos dos bancos internacionais de fomento e desenvolvimento. Seria o primeiro grande desafio à hegemonia estadunidense no controle do fluxo global de dinheiro e bens. Não vai ser uma tarefa fácil, pois o aumento do número de países no grupo significa mais interesses diferentes e posições divergentes a serem debatidas e contornadas antes que qualquer proposta seja implementada.

O desafio conjunto para essas nações diferentes, com visões às vezes antagônicas, além da cooperação econômica equilibrada, é vislumbrar caminhos para a integração econômica de suas populações na nova ordem mundial, garantindo renda, inserção e acesso contínuo à políticas de equalização social, assistência médica de qualidade e educação com nível suficiente para que a maioria das pessoas possa buscar um lugar ao sol nas próximas décadas.

Como nações de um grupo pretensamente forte, têm que assumir um compromisso conjunto de participar ativamente das iniciativas de recuperação e preservação ambiental, que garantam o fornecimento de alimentos e água potável para todos os habitantes do planeta, sem que interesses econômicos locais e regionais trabalhem contra isso.

As cartas estão sendo embaralhadas novamente na geopolítica, a rodada que será iniciada quando as cartas forem distribuídas não terá vencedores que ainda tenham os pés fincados na economia e na política da Era Industrial. Novos jogadores peso-pesados estão entrando no jogo, com cacife e mão carregada, dispostos a virar o jogo e a mesa. É a hora de transição para um novo tempo, e transições históricas são como as passagens das estações climáticas: sujeitas a tempestades e trovoadas. Cabe aos governantes mais sábios evitarem onde vão cair os raios e descobrir em qual vale vai se abrir o arco-íris.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

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