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Em Cannes, Udo Kier fala sobre viver um assassino manipulador em ‘Bacurau’

Por Rodrigo Fonseca, especial para o Estado
Vilão é um adjetivo determinista, maniqueísta até, que não casa bem com a estética do diretor Kleber Mendonça Filho e de seu parceiro e conterrâneo de Pernambuco Juliano Dornelles, mas é impossível negar a vilania traduzida nos gestos mais simples de Udo Kier em Bacurau. No papel de Michael, líder de um bando de americanos armados para matar habitantes de uma cidade do sertão, o cultuado ator alemão, de 74 anos, esbanja perversão. Parte do êxito do filme brasileiro, indicado para a Palma de Ouro no 72º Festival de Cannes, deve-se ao desempenho memorável (e inusitado) do homem que foi muso queer de Paul Morrissey (que fez dele o Conde Drácula e o Frankenstein) e parceiro habitual de Rainer Werner Fassbinder, Gus Van Sant e Lars von Trier.

“No início dos anos 1970, depois do Frankenstein, estava tomando um vinho perto de um local onde Fellini estava filmando e pensei: ‘Se o Andy Warhol, que produziu Morrissey, estiver certo, estes são os meus 15 minutos de fama, e eles acabam agora’. Mas aí recebi um convite para viver Drácula, com a obrigatoriedade de perder nove quilos em uma semana. Fechei a boca, vivi à base de água e alface, e mal consegui me levantar da cadeira. Mas fiz. O que mais gosto no ofício do ator é poder estar em vários lugares e descobrir realidades diferentes”, disse Udo, que filmou no Nordeste sem ter conhecido o Brasil.

Em sua juventude, a imagem que os europeus tinham da realidade brasileira era mais tipificada do que a de hoje. “Quando se falava em Brasil, a gente pensava em rapazes e moças seminus pulando carnaval. Aí, Kleber (Mendonça Filho) me conheceu num festival nos Estados Unidos, em Palm Springs, onde vivo há 25 anos, e me deu o roteiro de Bacurau. Aceitei fazer, ele me botou num avião e, depois do voo, fui levado de carro, por horas, sertão adentro, onde conheci uma realidade viva, cheia de humanidade. Era gente jogando cartas nas ruas, vendinhas para todo lado, cachorros correndo atrás de osso. Foram três semanas de trabalho. Três semanas no Paraíso”, diz o ator, cuja carreira, com cerca de 260 filmes, vai de Blade, o Caçador de Vampiros (1998) a Melancolia (2011), sem medo da diversidade nem do rótulo pop.

Há algo de que Udo se orgulha em seu modo de trabalho: “Jamais disse para um diretor que admiro ‘Gostaria de trabalhar com você’. Imagina se eu viro para o David Lynch, digo isso e ele me responde: ‘Quem não gostaria’. Amo Pedro Almodóvar, mas jamais pediria para trabalhar com ele. Se eu levasse um fora, não saberia onde esconder minha cara”. 

Na coletiva de imprensa de Bacurau, Kier divertiu os jornalistas ao dizer: “Trabalhei em muitos filmes, mas há pelo menos uns 50 de que você pode gostar sem precisar de álcool para isso”. Na mesa, Dornelles e Kleber estavam ao lado da produtora Emilie Lesclaux e de parte do elenco nacional – Karine Telles, Silvero Pereira, Bárbara Colen e Thomas Aquino, além de Udo Kier. 

Até o momento, de todos os concorrentes já exibidos, o mais elogiado é Les Misérables, do francês de descendência maliana Ladj Ly, sobre um trio de policiais que se envolve em conflito com moradores de um local no subúrbio de Paris, com população majoritariamente negra. Francesa de origem senegalesa, Mati Diop – primeira mulher negra a concorrer à Palma de Ouro, assinando a direção de um longa – também teve forte torcida em prol de seu lúdico Atlantique, que mostra fotos deslumbrantes de Dacar.

No enredo, uma adolescente às voltas com um casamento arranjado sonha em rever seu grande amor, um operário que cruzou o Atlântico em busca de novas oportunidades, mas pode voltar em meio a um tumulto na vida da jovem. 

Almodóvar

Nesta sexta-feira, 17, o Festival de Cannes confere o filme que, por honra ao mérito de seu realizador, Pedro Almodóvar, trouxe da Espanha para a França com status de queridinho da Cahiers du Cinema, Dor e Glória. 

Lançado em março em seu país, o novo melodrama do diretor de Tudo Sobre Minha Mãe (1999) pode dar a ele a Palma dourada que alimenta seus sonhos há quatro décadas. No filme, Antonio Banderas é um cineasta com problemas de saúde e com vício que revê seu passado, numa retrospectiva de sua obra, revisitando as lições que recebeu de sua mãe, papel de Penélope Cruz. 

“É uma trama tão autobiográfica como as outras. Por isso não autorizo que façam minha biografia: ela está nos meus filmes”, disse Almodóvar ao lançar o longa na Espanha. Há quem aposte em prêmio de melhor ator para Banderas. Mas Udo pode ser um rival à altura.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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