Sandro Cunha dos Santos *
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Uma das maiores cantoras do Brasil, Elza Soares foi dona de uma carreira incrível e de uma história de vida de tirar o fôlego. Declarada pelos fãs como patrimônio cultural brasileiro, o nome da cantora se tornou símbolo de resistência — afinal, isso foi o que ela mais fez em toda a sua trajetória: resistir.
Foram 91 anos de vida, 71 de carreira e uma história tão impactante que fica difícil resumir. Afinal, como diz a música “Dura na queda”, que Chico Buarque compôs especialmente pra ela: “Perdida na avenida, canta seu enredo fora do carnaval. Perdeu a saia, perdeu o emprego, desfila natural, esquinas mil buzinas. Imagina orquestras, samba no chafariz, viva a folia. A dor não presta, felicidade, sim. O Sol ensolará a estrada dela, a lua alumiará o mar. A vida é bela, o Sol, a estrada amarela e as ondas, as ondas, as ondas, as ondas”.
A primeira apresentação pública da Elza Soares não aconteceu por bons motivos: com o filho pequeno doente, sem poder contar com ajuda dos pais ou do marido, a menina se inscreveu para participar do tradicional programa de calouros do radialista Ary Barroso. Pode até ser que naquela época ela já tivesse pretensões artísticas, mas o que Elza queria de verdade era o dinheiro dado aos vencedores do programa, para que pudesse cuidar do filho. Ela se apresentou no programa escondida, sem que a família soubesse.
A figura de uma menina minúscula, que tinha só 32kg, usando roupas emprestadas da mãe, presas com alfinetes pra não caírem, chamou atenção do público e do apresentador. Naquele dia, Elza não só ganhou o prêmio, como também disse uma das frases mais icônicas de sua carreira.
Ao ser questionada por Ary Barroso sobre “que planeta vinha”, Elza já tinha a resposta na ponta da língua: do planeta fome. Também foi naquele dia que o radialista deu o veredito sobre a carreira de Elza, ao dizer que, naquele momento, nascia uma grande estrela.
Nascida em junho de 1937, se engana quem imagina que a carioca sempre teve a vida marcada pelo glamour que a eternizou na história da música brasileira. Durante participação no Programa do Porchat no ano de 2018, a artista relembrou momentos difíceis do passado.
Relembrando a infância, a cantora, que veio de uma família pobre, não tinha nem água onde morava. “Eu era uma criança e a gente não tinha água onde morava. Não tinha nada. E eu carregava muita lata d’água na cabeça e eu achava que aquilo era incrível”, disse Soares, conforme repercutido pela Caras Brasil na época da entrevista.
Durante a conversa com o apresentador, Soares também relembrou que se casou aos 14 anos ou seja, algo que seria considerado casamento infantil em solo brasileiro.
“Eu nem sabia o que era casamento. Mas fui uma grande mãe. Cresci com meus filhos, a gente cresceu junto”, enfatizou a artista. Na época, Elza também relembrou a sua luta como mulher na sociedade. “Essa minha luta de mulher, de brigar, eu venho desde criança buscando, querendo o direito de fala. Mulher sofre muito”, enfatizou a cantora.
A entrevista também relembrou o período que Elza viveu durante a ditadura militar brasileira. Ao ter sua casa alvejada, ela partiu para o exílio na Itália, onde ficou próxima do astro Chico Buarque. ”Chico foi tudo”, disse ela.
A herança deixada por Elza Soares vai muito além da voz e do carisma. Ela virou símbolo antirracista, cantou contra a violência doméstica e a intolerância religiosa, e inspirou novas gerações, que abraçaram essas causas com a mesma força e determinação.
Salve Elza Soares, guerreira e patrimônio cultural brasileiro!
* Professor e músico do grupo Os Etanóis