O absurdo aumento do preço dos combustíveis e as suas consequências – imediatamente uma paralisação de caminhoneiros que coloca em xeque a distribuição de produtos, combustíveis, alimentos etc. – constituem um ensaio geral do que está por vir no Brasil, seja na esfera econômica, seja nas esferas social e política. Tais acontecimentos representam derivações necessárias da política neoliberal esposada pelo governo golpista de Temer. A essência de tal política é a contemplação de pouquíssimos interesses, em realidade apenas dos interesses do partido do capital. No caso brasileiro, com o agravante que nesse partido não há lugar para o capital nacional produtivo.
Em substituição ao Estado de compromisso que vigorou de 2003 ao golpe de Estado de 2016 – Estado que abarcou em si uma multiplicidade de interesses, inclusive uma miríade de interesses antagônicos, dos quais nenhum deles conquistou hegemonia sobre os demais, o que fez do chefe do Executivo um árbitro cuja função era a de mediar tais interesses –, o governo Temer tem adotado uma política antinacional, que se expressa na entrega de nossos poços de petróleo; na autorização da venda da Embraer para a Boeing; na privatização da Eletrobrás; na extinção do fundo soberano; além de uma política antipopular, com a retirada radical de direitos como na reforma trabalhista ou ainda como na redução acentuada de recursos nas áreas sociais, na saúde e na educação. Uma de suas últimas medidas foi o fechamento da farmácia popular.
Essas medidas, atualizações do que foi praticado durante os governos FHC, representam uma ruptura com a via de desenvolvimento inaugurada em 2003 e derrotada – por enquanto – pelo golpe de 2016. Temer, evidentemente, não representa uma continuidade do governo Dilma, mas a sua antítese, a aplicação de um programa político derrotado em quatro eleições.
O favorecimento de apenas um polo leva a desorganização econômica, social e também necessariamente política, desorganização que tende ao caos e ao colapso. As já mencionadas medidas, também a PEC da Morte, que limita o gasto governamental por vinte anos, e, positivamente, a ausência de uma política de desenvolvimento prometem um não futuro para o Brasil. Prometem um colapso como o grego, inclusive quanto à capacidade da União de honrar seus compromissos com o funcionalismo público e pensionistas, dificuldades que já se manifestam com amarga clareza em alguns Estados da federação.
Não haverá qualquer retomada econômica real sem uma mudança de rumo, sem que o Estado volte a ser protagonista do desenvolvimento. A novidade que os golpistas têm a oferecer é o velho receituário já posto em prática e fracassado nos anos FHC: fracassado quanto à criação de empregos ou quanto à redução da desigualdade social, fracassado quanto à melhora da vida concreta do povo – receituário, aliás, muito adotado nos países latino-americanos, sob o aplauso das potências, antes da crise de 1929. Isso certamente não terminará bem.
Do ponto de vista imediato, essa desorganização não beneficia apenas a esquerda, mas também aos que aparentemente – mas não realmente – representam a novidade, como a candidatura Bolsonaro. Mas apenas a esquerda tem condições de indicar uma saída para o país e, por essa razão, possui muitas possibilidades de vitória em um prazo não tão longo. Somente a esquerda pode propor e viabilizar um projeto nacional de desenvolvimento baseado na industrialização e na ampliação do mercado interno sob a égide do investimento e do planejamento estatal. Somente a esquerda pode evitar a marcha acelerada – na qual nos encontramos – ao abismo.
A ditadura militar teve, por força, após dois anos de liberalismo, que mudar sua política econômica. Saíram de cena Castelo Branco, Roberto Campos e Bulhões e a nova política econômica voltou a ser – progressivamente – desenvolvimentista, ainda que entreguista, baseada no capital externo. Sem tal alteração, a ditadura não teria durado muito tempo, mesmo com o controle do poder político. Os golpistas de hoje não possuem as condições de promover semelhante alteração de rumo e por isso serão derrotados, em prazo menor do que os militares, quiçá nas eleições de outubro desse ano.
Esse estado de coisas não durará, inclusive porque o povo ainda se lembra dos anos de avanço representados pelos governos progressistas, e também porque uma parte dos interesses que apoiaram o golpe não será contemplada por este. Não apenas para os trabalhadores, mas para as camadas médias e para os industriais nacionais, dias melhores não virão.
Os setores progressistas da sociedade devem, mais do que nunca, unirem-se para oferecer uma saída ao desastre ora vigente.