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“El otro exilio”, de Susana Gertopán

“El outro exílio”, de Susana Gertopán, foi publicado em 2007. Na obra, Gregório Gurstonsky, protagonista e narrador, 75 anos, jornalista aposentado que vive em Buenos Aires, escreve suas memórias, narrando sua fuga, a de seus pais e a de sua irmã, de Varsóvia, na década de 30. A partir deste mote, rememora o exílio de diferentes perspectivas: o forçado, o voluntário, o geográfico e o interior. Desterros múltiplos, tais exílios se revelam impregnados da constituição identitária do sujeito em constante busca de si e de uma pátria. Amparados por documentos falsos em direção à América do Sul, a família chega a Buenos Aires. Acolhidos por outros judeus, reencontram uma rápida tranquilidade, até que a irmã, Rivke, passa a se dedicar a um grupo político contrário à ditadura militar local. Nova fuga. Desta vez para o Paraguai, em cuja capital a família volta a se recompor. Com o pai empregado, sonham com a casa própria, um espaço com jardim para a mãe plantar flores, flores estas, entretanto, que o novo envolvimento da irmã com grupo contrário à ditadura local vem a por fim. A Urge que a família volte a Buenos Aires. Uma vez clandestinos, eles passam a viver na periferia. O narrador vai, então, para os Estados Unidos, onde trabalha e estuda jornalismo. Depois de formado, aliando-se a um grupo de sionistas, parte para Israel. Casado, separa-se três vezes, mudando-se constantemente por motivos de trabalho. Tendo a irmã se suicidado, Gregório decide voltar para Buenos Aires, assumindo para si a responsabilidade de cuidar da mãe. Trechos da obra?

“Chorei quando recordei aos meus pais, a minha irmã e aos meus exílios. Sofria porque não podia falar, porque não podia contar, porque não pude gritar, porque não pude salvar a minha voz do afogamento. Frente a tanta frustração de contar sobre si mes­mo, que significado tem relatar a vida de uma pessoa? Como se faz? Como se sustenta uma verdade que não se reconhece ou não conhece? Como se sobrevive a recordações que somente causam pena? Como se descobre e se consola a culpa? Como se explica existir, ficar vivo, em um corpo que não palpita? (…) Meu nome em espanhol é Gregório Gurstonsky, em yiddish Ghershn e em hebreu Ghershon. Vivi em diferentes lugares, mas nunca permaneci em nenhum, nem aceitei ser parte de um. Aprendi vários idiomas, mas somente os pude falar quando o mutismo dava licença à minha voz. A língua em minha casa foi o yiddish. (…) Alegro-me com a exibição escrita dos feitos, com as demonstrações dos acontecimentos, coloca­dos com o desejo de liberar a dor e apaziguar a culpa por meio de cada verdade, que é única; de ideias que são minhas, mas que também podem ser de outros, de muitos; que são parte de cada um de nós e que ninguém tem o direito de censurar. (…) algumas recordações deste tempo me são vagas, outras me nego a recordar (…) Agora conto, só agora posso escrever sobre todo o vivido durante estes anos, mas com os olhos de um homem de setenta e cinco anos, que já tentou por outros meios entender, perdoar certos acontecimentos que lhe produziram demasiada dor. (…) Ouvi a León, mas também ouvi outra voz. Era a minha. Neste momento, eu estava ouvindo minha voz, minha própria voz (…) Agora que meus pais estão mortos, me resulta mais difícil contar sobre eles. Sempre existe um certo preconceito quando queremos nos referir aos que já não vivem. É como se os mortos levassem da vida uma auréola de bondade com que protegem sua memória. Nos mortos não se toca, dos mortos não se fala. (…) Padecer desta pressão por reviver recordações que mantive guardadas e que, ao trazê-las ao presente, me levam a sofrer de novo, me torna vulnerável a elas. Mas apesar de tudo, sigo escrevendo, não posso me deter, não posso parar esta compulsão por contar, ainda que doa, ainda que sofra por permanecer neste estado delirante, onde me enfrento com cada palavra que escrevo a um novo duelo com o adversário conhecido, íntimo, que termina sendo a minha voz, a minha alma. (…) Desenterrar minhas recordações para, alguma vez, me livrar de tanta dor”.

Por mais de 70 anos, Gregório optou pelo silêncio. Aos seis anos, entretanto, ele experimentou a angústia de estar sozinho nas ruas de Varsóvia, à espera de um desconhecido que o levaria ao navio onde estavam seus pais. Os instantes que passou na rua foram angustiantes, tanto que ele urina nas calças. A imagem recuperada logo depois é o reencontro com o pai no navio: “ Estava ali, frente a mim. Abracei as suas pernas. Levantei os olhos esperando uma reação, um ensaio de festejo por me ver ali frente aos seus olhos. Mas ele apenas me perguntou onde estavam a minha mãe e Rivke (…)”. Era o reencontro de uma criança friamente recusada pelo pai. Este fato, percebido por Gregório, o faz refletir que não foi a escuridão e a solidão das ruas de sua terra natal que lhe silenciaram. O silêncio foi consequência da falta de amparo daquele a quem ele, criança, depositara sua confiança. De acordo com especialistas, é de Paul Ricoeur a afirmação “Ao se lembrar de algo, alguém se lembra de si”. Neste contexto, ainda segundo especialistas, ter a “alma” como grande adversário significa o quanto complexo é a tarefa de voltar-se para si. “A alma de um indivíduo guarda os sentimentos mais íntimos, aqueles que o sujeito desejou conscientemente esquecer e outros que se perderam ao longo da vida. Ambos, de alguma maneira, foram preservados e o esforço por recuperá-los só é permitido a quem aceita reencontra-se consigo mesmo. Pensar a escrita, neste caso, também implica em analisar o empoderamento do sujeito diante da possibilidade em revisitar o seu passado.

Em “El outro exilio”, tal fato assim se expressa “Desenterrar minhas recordações para, alguma vez, me livrar de tanta dor”. O narrador, revisitando sua memória, reinventa sua his­tória. “Os exílios físicos e interiores são recuperados e analisados pelo ponto de vista do pro­fissional que, para abafar as suas misérias, optou por ser repórter de guerra. Do apartamento em Buenos Aires, ele faz as pazes com sua trajetória e a reconstrói com a leveza daquele que superou os desafios”. Gregório, portanto, “não quer enxergar a si ontem, mas quer observar o seu ontem no hoje”, segundo a crítica. E em assim o fazendo, constata que “suas piores angústias estavam atreladas aos exílios forçados a que foi submetido e aos exílios voluntários que adotou para fugir de sua incapacidade de expressar suas dores”. Registradas suas me­mórias, Gregório alcança a paz com seu passado, compreendendo os que já morreram e prontificando-se a deixar o exílio interior que o abrigou. Não sendo mais o menino que necessitava ser amparado pelo pai na noite escura de Varsóvia, via-se, agora, como um homem maduro, pronto para testemunhar o que nem os livros são capazes de transmitir. Em “El otro exilio”, portanto, pessoas comuns são postas em evidência para descortinar ao leitor as muitas formas por elas encontradas para sobreviverem ao desamparo causado por grandes transtornos como o holocausto e a ditadura militar na américa latina, entre outros. Em tempos pandêmicos, vale conhecer tal lição.

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