Quem chega a El Calafate, na Patagônia argentina, tem a nítida sensação de que está entrando em Campos do Jordão. Suas casas, suas lojas, seus hotéis lembram muito nossa estância climática. Só faltam os contrafortes da Mantiqueira, pois a cidade localiza-se numa estepe árida, de vegetação baixa e de pouca chuva. Uma planta miúda, sem destaque, encontrada em toda parte, com pequenas flores vermelhas era usada pelos primeiros navegantes para calafetagem das madeiras dos barcos, daí o nome da cidade.
Seus restaurantes são primorosas e ostentam a especialidade da região, o cordeiro patagônico, assado em espetos verticais à beira das brasas, no puro estilo dos pampas. Depois de várias horas, sua carne desprende-se com as garfadas. Acompanhado de um bom vinho Malbec é refeição a ser lembrada durante toda a vida.
Mas, a grande atração está a uns 80 quilômetros, a grande Geleira Perito Moreno. Exceto as regiões dos Polos Norte e Sul, a Patagônia é onde se encontra o maior número de geleiras. Só na Argentina, no Parque Nacional Los Glaciares, são 356 de todos os tamanhos e formas. O nome do grande glaciar, como são chamadas pelo hermanos as nossas geleiras, é uma homenagem a Francisco Paschaio Moreno. Naturalista, cientista, pesquisador, agrimensor durante toda a vida atravessou a Patagônia em vários sentidos, sendo um dos maiores conhecedores da região.
Apesar de ter visto em fotos a majestosa geleira, há um enorme impacto quando se a vê pela primeira vez. São cinco quilômetros de uma muralha azul de 50 metros de altura, que em velocidade lentíssima se movimenta num vale entre montanhas, avançando sobre o Lago Americano. Apesar da temperatura externa, não há degelo das águas, não se veem fios escorrendo entre suas gretas. De repente, um estrondo e um pedaço do paredão se desprende, gerando ondas e lançando no lago pequeno iceberg azul, que começa a flutuar no meio de outros semelhantes.
A grande geleira inicia-se nos Andes, onde neva praticamente todos os dias. Esta neve congela e forma camadas de gelo que vão se sobrepondo às já existentes. Nasce assim um mundo congelado que, vagarosamente, por gravidade, faz a geleira se mover milimetricamente em busca do lago. Mas, é um movimento imperceptível a olha nu. Os blocos que olhamos tem água de muitos anos.
A estrutura de apoio à visita é ótima. Passarelas de madeira resistente e muito bem conservadas circundam um monte fronteiriço à geleira, permitindo que, à medida que você desce, ela se mostre de vários ângulos e tamanhos, até a base de onde se descortina toda a maravilhosa e misteriosa vista. Esta mesma passarela permite que você circunde parcialmente o lago, com destino ao restaurante e base de apoio.
Passeios de barcos que saem da base de apoio levam os visitantes até bem perto do alto paredão, navegando entre os pequenos icebergs que flutuam no lago. Dá para perceber a intensa coloração azul destes pedaços de gelo, que refletem a cor do céu. Condores, as maiores aves de rapina da América do Sul de vez em quando aparecem planando nas alturas, num voo majestoso e solitário.
O encontro com a geleira causa-nos o impacto da grandeza da natureza, num caminhar constante, arrastando as águas congeladas dos Andes, que primeiro são neve, depois gelo, depois gelo compactado e por fim iceberg. Ela é majestosa, misteriosa, às vezes difícil de ser entendida e comprimida entre as montanhas de seu vale é um espetáculo único a ser vivido. Se você não viu alguma das geleiras do Parque Nacional los Glaciares não terá ideia de sua grandeza e de sua portentosa majestade.