Tribuna Ribeirão
Política

Eduardo pode sofrer processo de cassação

PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Juristas afirmam que a de­claração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL­-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que a resposta a uma radicalização da es­querda pode ser via um “novo AI-5”, fere a Constituição e pode justificar uma abertu­ra de processo de cassação do mandato no Conselho de Ética da Câmara dos Depu­tados. Partidos da oposição afirmaram que farão esse pe­dido nos próximos dias.

Os especialistas, no en­tanto, afastam a possibilida­de de uma responsabilização criminal do deputado por causa da declaração. “Recebo essa manifestação com dupla preocupação. De um lado, com o grau de desconheci­mento jurídico que ela reve­la, na medida em que um ato institucional é uma quebra da ordem democrática. Em segundo lugar, me preocu­pa o fato de que essa é uma declaração de um deputa­do eleito que tem dentre os seus deveres preservar a ordem constitucional e não promover uma proposta de quebra desta mesma ordem”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques.

Para Azevedo, uma vez que a declaração seja confir­mada como uma afronta à or­dem constitucional, Eduardo pode ser alvo de um processo de cassação de seu manda­to. O diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Mamede Said Maia Filho, também ressalta que a fala contra­ria a Constituição. “Do ponto de vista político, ela (a declaração de Eduardo) contraria a Constituição, o sistema democrático e com­promete a própria natureza do Estado brasileiro. O texto constitucional fala que o Bra­sil é um Estado Democrático de Direito. É algo que afronta as instituições”, diz.

Já Belisário dos Santos Jr., advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo, afir­ma que considera difícil que o deputado seja responsa­bilizado criminalmente. “A responsabilização pessoal dele eu acho de certa for­ma difícil do ponto de vista criminal, porque ele está fa­lando em hipótese”, explica. No entanto, considera que a declaração fere “profun­damente” a dignidade e o decoro da Câmara. “O de­putado jurou à Constituição Sob esse ponto de vista ético, acho que ele pode ser respon­sabilizado”, afirmou.

O Ato Institucional nº 5 foi o mais duro instituí­do pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quais­quer garantias constitucio­nais, como o direito a habeas corpus. A partir da medida, a repressão do regime militar tornou-se mais dura.

A Constituição de 1988 rejeita instrumentos de exce­ção e destaca, em seu primei­ro artigo, como um de seus princípios fundamentais, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Esta­do Democrático de Direito, e também garante aos par­lamentares imunidade par­lamentar. Segundo o texto constitucional, os congres­sistas são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. No entanto, isso não impede que um deputado seja responsabilizado por al­guma declaração. Em junho de 2016, por exemplo, a Pri­meira Turma do STF aceitou denúncia contra o então de­putado federal Jair Bolsonaro por dizer que a deputada Ma­ria do Rosário (PT-RS) não “merecia ser estuprada” por ser “muito feia” e porque ela “não faz seu tipo”.

Partidos de oposição anunciaram, na tarde desta quinta-feira, 31 de outubro, que vão entrar com um pe­dido na Comissão de Ética da Câmara de cassação do mandato de Eduardo Bol­sonaro. Além disso, o grupo formado por PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB vai protocolar uma queixa-crime no Supre­mo Tribunal Federal (STF) alegando quebra de decoro parlamentar.
O presidente do Conse­lho de Ética e Decoro Parla­mentar da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA), afirmou que qualquer pedido de cas­sação contra o líder do PSL na Casa seguirá o rito “normal”. Juscelino Filho classificou as declarações de Eduardo Bol­sonaro como “graves”. “Eu vejo essas declarações como muito grave assim como qualquer brasileiro, como qualquer homem público. Nós repre­sentantes do Congresso, ve­mos essa fala como algo gra­ve”, afirmou o parlamentar.

Desculpas
Depois da repercussão contrária, o deputado pe­diu desculpas por suas falas. “Peço desculpas a quem por­ventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira – mesmo eu não fazendo parte do governo – está estudando qualquer medida nesse sen­tido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpa­da do que eu falei. Eu ape­nas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”, disse, em entrevista por telefone à TV Bandeirantes.

O presidente Jair Bolso­naro afirmou que falou para o filho tirar a “palavra AI-5” do vocabulário dele. Bolso­naro afirmou que não se deve discutir “picuinhas”. “Vamos tocar este barco, que o Brasil tem tudo para dar certo”, dis­se, em entrevista ao progra­ma “Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes. Ele declarou que não se deve ficar nos “as­suntos menores”. Mais cedo. O presidente disse: “Quem está falando sobre AI-5 está sonhando”.

E emendou: “Não existe. AI-5 é no passado, existia outra Constituição, não exis­te mais. Esquece. Vai acabar a entrevista aqui”, afirmou. Bolsonaro sugeriu que o pró­prio filho fosse cobrado. “Co­brem dele (Eduardo). Quem quer que seja que fale em AI- 5, está sonhando. Tá sonhan­do! Tá sonhando! Não quero nem ver notícia nesse sentido aí”, disse o presidente.

Várias autoridades e ins­tituições repudiaram a decla­ração de Eduardo Bolsonaro: o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF); o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o presidente na­cional da Ordem dos Advo­gados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz; a Frente Nacio­nal de Prefeitos (FNP) – da qual Duarte Nogueira Júnior (PSDB) faz parte da diretoria; o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e partidos como o MDB, PSDB, Novo, Republicanos e o próprio PSL de Bolsonaro, entre outros.

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