O projeto de restaurar o primeiro prédio de Ribeirão Preto, o Edifício Diederichsen, construído em 1936, não decolou. Discussões e questionamentos técnicos e jurídicos emperraram as reformas, anunciadas no final de 2016. Atualmente o prédio está parcialmente fechado, com alguns inquilinos que resistiram às ordens de despejo, e sem previsão de reforma e destinação final.
Com seis pavimentos além do térreo, o Edifício Diederichsen é um dos símbolos históricos da cidade. Ele foi tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual desde 2009. A proposta inicial, feita em 2016, pela direção da Santa Casa, responsável legal pelo prédio, era transformá-lo em um centro cultural.
O nome é uma referência ao seu antigo proprietário, Antônio Diederichsen, que após a crise do café, em 1929, diversificou os seus investimentos, construído o prédio.
O arquiteto e urbanista Cláudio Bauso, especialista na área de patrimônio público e histórico, diz que houve na época um crime contra o patrimônio histórico. “Na esquina da rua General Osório era a casa do coronel Quinzinho Junqueira, um marco histórico da cidade que foi destruído em nome da modernidade, na época”. “Hoje temos essa contradição. O que era símbolo da modernidade é hoje símbolo do passado”, completa.
Bauso explica um dos problemas burocráticos que impede a reforma. Antônio Diederichsen doou o prédio com finalidade assistencial e essa finalidade consta no estatuto da Santa Casa, que recebeu o prédio. “Não tem finalidade educacional ou cultural. O estatuto diz que não pode interferir em novo uso que não seja o viés assistencial”.
Por meio de locação, a Santa Casa recebia recursos para serem aplicados ao hospital. O que seria segundo Bauso, uma das finalidades assistenciais. Outra finalidade é a locação de apartamentos, localizados nos terceiro e quarto andares, para pessoas com comprovadas dificuldades financeiras.
Primeiro estudo de restauro
O urbanista explica ainda que o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) recebeu em 2006, estudos e projetos de restauros do prédio.
“O restauro seria em fachadas, janelas, portas e área comum. A obra estava estimada em 2006 em R$ 600 mil. Mas a Santa Casa não autorizou por conta do estatuto. É uma entidade com estatuto assistencial e a captação de recursos com bases aos incentivos culturais não prosperaram”, salienta.
Bauso finaliza dizendo que nos últimos meses algumas “tentativas de oportunistas” foram dadas com o objetivo de reformar e dar outras destinações ao edifício. “Mas isso não pode, por ser o prédio com destinação assistencial”, finaliza.
Ação do Ministério Público
Em abril deste ano o promotor do Patrimônio Público, Ramon Lopes Neto, entrou com uma ação civil pública no Fórum Estadual de Justiça de Ribeirão Preto para evitar que a Santa Casa de Misericórdia promovesse as divulgadas obras no Edifício Diederichsen.
O MPE alegou na ocasião que, apesar de ter despejado vários inquilinos no ano passado, a Santa Casa ainda não havia apresentado os projetos ao Condephaat.
Santa Casa diz que faz reforma e restauração somente após aprovação do Condephaat
Procurada, a direção da Santa Casa de Ribeirão Preto informou por meio de nota que contratou uma empresa especializada para estudos técnicos de engenharia. A nota diz que a empresa já realizou o levantamento histórico do prédio e o “tombamento” do edifício junto ao Condephaat. Foram realizadas novas plantas arquitetônicas do edifício constando todas as áreas físicas construídas e os detalhes de arquitetura que o compõem, incluindo as tomadas pelo Condephaat.
“Ressaltamos que há moradores no edifício que ainda não desocuparam suas áreas alugadas por estarem cumprindo prazo judicial, impedindo qualquer atividade de reforma e/ou restauração”, diz o comunicado.
“A Santa Casa de Ribeirão Preto se comprometeu em fazer qualquer reforma e restauração somente após aprovação do Condephaat. Os projetos para estas aprovações ainda não foram apregoados pelo conselho. Além disso, a Santa Casa discute mensalmente os projetos e os planejamentos para o edifício Diederichsen e busca também parcerias públicas e privadas para partilhar os investimentos necessários para execução das obras”, finaliza o texto.
Edifício Diederichsen, o primeiro arranha-céu de RP
Tombado pela Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico do Condephaat em novembro de 2009, e também pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural de Ribeirão Preto (Conppac), em 2010, o Edifício Diederichsen começou a ser construído em 1934 e foi inaugurado dois anos depois, em 20 de dezembro de 1936 – vai completar 82 anos. É considerado um símbolo do modernismo na cidade, pelo seu estilo “art déco”.
O Diederichsen foi o primeiro arranha-céu da cidade. Com seis pavimentos além do térreo, desde seu início teve uso misto, abrigando lojas, serviços, cinema, hotel, a cafeteria Única e o famoso Bar Pinguin. Tem uma das fachadas voltada para a Praça XV de Novembro, espaço público ligado à origem da cidade, no qual localiza-se o Quarteirão Paulista – conjunto harmônico de prédios em que estão instalados o Theatro Pedro II, o Edificío Meira Júnior e o Centro Cultural Palace, todos preservados.
No térreo, durante várias décadas, esteve em funcionamento o Cine São Paulo, que tinha capacidade para 1,2 mil pessoas. No primeiro e no segundo andares existem 118 salas comerciais e no terceiro e no quarto andares há 64 apartamentos. Ao todo são quatro mil metros quadrados de área construída.
ACIRP afirma que estimula o retrofit
A ACIRP propôs durante debate do Plano Diretor do município a estimulação do retrofit da região central. A ideia é modernizar as edificações antigas e transformá -las num espaço digital para instalação de startups, por exemplo.
“O Edifício Diederichsen, pelo seu simbolismo, assim como outros prédios da região, merece estar inserido num projeto de revitalização do Centro. No mundo todo há projetos semelhantes que foram executados em regiões centrais antes desvalorizadas. No Brasil, um exemplo é o Porto Digital, em Recife”, diz a entidade em nota.
“A ACIRP tem se esforçado para que no Centro seja utilizado um critério para revitalização dos edifícios mais flexível do que o atual para que as obras sejam viabilizadas”, completa.