Por Carlos Eduardo Oliveira, especial para o Estadão
Sem exagero: o repórter chega literalmente a escutar o besouro que interrompe a conversa. Do outro lado da linha, Edivaldo Pereira Alves se livra do inseto e retoma o papo. “Aqui é assim. Meio do mato mesmo. Sinal de internet e celular às vezes não é lá essas coisas”, avisa, sobre a ligação que teima em cair. “Quando chove então, piora.” Edi Rock está em seu atual refúgio, para onde se mudou com a esposa: um santuário rural em Ubatuba, entre a montanha e o mar, cercado de muito verde e distante razoáveis léguas do centro da cidade para assegurar a tranquilidade.
A princípio, a ideia era fugir da pandemia. Mas um dos fundadores do Racionais Mc’s acabou ficando. Para quem sempre labutou à noite, pesou na balança um ritmo de vida menos intenso “Só tenho saudade do palco, que é a realização do artista. Mas isso tem mais a ver com a pandemia. Da noite, saudade zero.” A sede de palco foi saciada com a volta dos shows do grupo adiados pela covid-19 – lotados, aliás. Na nova rotina, preza a alimentação saudável, cuida das plantas e árvores, vai à praia quase diariamente, corre, malha, nada no mar, rema de stand-up. Aprender a surfar, afirma, em algum momento também entrará na pauta. “Sempre gostei de esportes, sempre fui esportista”, conta “Agora, ficou mais fácil, minha esposa é profissional de esportes e me incentiva muito, treinamos juntos.”
Revigorado, o músico trilha passos ousados: fechando a trilogia aberta em 2019 com o elogiado blend rítmico de Origens, passo acertado na carreira solo, seguido de Origens Parte 2 (2020), sua resposta à pandemia, vem aí Origens Parte 3, com versões sinfônicas, orquestradas, para alguns dos maiores hits dos Racionais; em paralelo, a curadoria do selo ROC7, a quatro mãos com a Virgin Music Brasil, irá garimpar novos talentos do rap. “Aguardem Racionais e Edi Rock em 2022”, avisa, em referência a projetos como um novo DVD (sobre a turnê comemorativa dos 30 anos do grupo) e um documentário em fase de finalização retratando vida & obra dos autoproclamados “quatro pretos mais perigosos do Brasil”.
Por que sair da metrópole?
É o que quero para mim no momento. Sempre fiz tudo em prol de algo ou alguém: da família, do trabalho, da carreira, do grupo, dos filhos. Chegou a hora de pensar no meu futuro. Onde vou morar, como e onde vou envelhecer, essas coisas. Porque em São Paulo, definitivamente, não dá. Aqui, vou à cidade apenas para o necessário, compras, mantimentos, artigos para a casa, banco, cartório. Há pouco tempo, no aniversário da minha esposa, trocamos o almoço programado em um bom restaurante do centro de Ubatuba por um banho de cachoeira. De onde moramos, vou a pé ali embaixo e compro peixe fresco direto do pescador. Frutas, dá praticamente de tudo por aqui. O primeiro tempo já foi jogado. Agora, no segundo tempo, quero uma vida saudável. Profissionalmente, isso me favoreceu muito. Foi uma reviravolta importante, que me permitiu enxergar minha carreira e minha vida de outro ângulo.
Essa mudança o fez produzir mais?
Foco, né? Tive a oportunidade de focar. Isso na arte, no Brasil, é um privilégio. Pude me dedicar de corpo e alma. Aprendi uma nova fórmula de trabalhar. Está me fazendo bem, estou feliz. Tenho um disco já pronto e outro a caminho. O Origens Parte 3 fecha a trilogia aberta em 2019 com o Origens e o Origens Parte 2. Será um trabalho acústico com algumas inéditas e alguns clássicos dos Racionais que eu canto. O maestro Josué Polia, com quem assino a produção, está escrevendo as partituras e já estamos ensaiando. Também estou produzindo um DVD com músicas dos dois primeiros Origens, com participação de convidados que estiveram nos discos, como Rael e Seu Jorge.
Que avaliação faz hoje dos dois álbuns Origens?
Ouço sempre, quase todo dia. Dois bons discos, mas distintos. O primeiro é mais variado. A ideia original era essa mesma, variar, misturar. É o típico retrato do rap naquele momento. É mais musical, mais orgânico. Já o segundo é como o rap atual, só peso. Foi feito na pandemia, então é só rima e batida, eu caminhei para o rap original. São momentos diferentes, um do outro, mas que, juntos, sintetizam toda minha carreira.
Como se desenvolverá o selo ROC7?
Dentro de meus projetos pessoais, é uma ideologia, que estou tocando com a Virgin a passos curtos, para 2023, sem querer abraçar o mundo. Mas é uma ideia da qual gosto muito: soltar músicas de novos talentos. Esse é o foco. Adolescentes, jovens, mas o projeto abrangerá também gente mais rodada, já conhecida, que teve pouca oportunidade e ainda não obteve o devido reconhecimento. Como disse, é ideológico, não é por dinheiro. Hoje muita gente que faz rap, faz apenas pelo dinheiro.
Você já declarou que é dos Racionais, “mas não é o Racionais” O que quis dizer com isso?
É sobre individualidade, por conta das cobranças. Um exemplo é a Globo. O Brown sempre disse que não ia. Era uma escolha ideológica do grupo. Eu achava o contrário, que seria bom ir, para romper fronteiras, expandir o trabalho. A partir do momento que eu vou, não sou o grupo. Cada um tem sua individualidade, sua responsabilidade. Quer ir, vai. Mas depois segura a sua onda
Como estão os projetos do DVD e do documentário?
O DVD já está para sair. É sobre a turnê dos 30 anos, que fizemos com a banda. O documentário está sendo terminado. O material está bem bonito, é um doc mesmo, contando nossa vida e carreira. Quem dirige é a Juliana Vicente, da produtora Preta Portê Filmes. Provavelmente é para este ano ainda, mas não tenho certeza. A pandemia atrasou tudo.
Enquanto unidade criativa, quanto tempo os Racionais ainda se manterão juntos?
Não sei falar. Nesse sentido sempre considerei os Racionais uma incógnita, não sabemos até quando vamos. Mas continuamos na caminhada, seguindo um curso natural. Atualmente, eu estou mais sozinho, mas também com o grupo. Nós nos juntamos, fazemos shows Acho que ainda tem muito para acontecer nos próximos dez anos, que é como projeto meu cronograma: por década. E, mesmo em 2022, muita coisa vai rolar. Aguardem Racionais e Edi Rock.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.