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E se não fosse a chuva? 

Perci Guzzo *
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E se não tivesse chovido no domingo, dia 25 de agosto?
São Pedro interrompeu por duas vezes suas férias de meio do ano para nos socorrer, pois tivemos chuvas generosas nos dias 10 e 25 de agosto aqui em Ribeirão Preto; um período extremamente seco. Esses dois episódios pluviométricos nos levam à uma importante conclusão: quem está no comando é a natureza. Gostemos prepotentes e arrogantes, ou não, as ações humanas têm seus limites, inclusive para apagar incêndios.

Se ouvirem, como sempre se ouve, de gestores públicos, que os focos de queimadas estão controlados e tudo está bem, ponderem o quanto foi devido suas tímidas decisões e o quanto foi ação da própria natureza.

Convido-os agora a olharmos as causas mais profundas dos incêndios e queimadas que assolam o país.

A primeira e mais importante é a aridização do ambiente provocada pelo modelo de agroecossistemas e o modelo de cidades advindos de uma cultura e uma prática de engenharia que não protege; que esbanja e expulsa a água. Somos experts em criar paisagens áridas: tiro certeiro no peito da vida. As extensas monoculturas do agronegócio brasileiro e os empreendimentos imobiliários voltados ao mercado de investimentos, considerando o padrão como intervêm no ambiente físico e biológico, drenam o Brasil. Isso se dá em escala regional e local.

Nas escalas continental e global, temos as mudanças climáticas; eis a segunda causa do fogo desproporcional. De fato, o aquecimento dos oceanos, da atmosfera, dos solos e da vegetação que os recobre, potencializam a inflamabilidade. A biomassa seca, sem qualquer umidade, nas tardes quentes e radiantes de sol, está muito mais propensa ao fogo. E como sabemos, todo incêndio tem início com apenas uma chama.

Chegamos à terceira causa. Quem põe o fogo? Os raios enviados pelo mesmo São Pedro? Certamente, não. A impunidade ao crime ambiental de atear fogo onde não está autorizado é consequência de um poder público despreparado e negligente ao longo de décadas. Não precisamos chegar ao nível de desastres para tomar a decisão de multar, prender e investigar. Há leis para embasar a ação responsável de fiscalizar e punir. Há meios tecnológicos disponíveis para prevenir e monitorar. Por que não age com antecedência para evitar o sofrimento, o dano e a morte?

Qual o custo da desorganização e da ausência de visão estratégica do Poder Público?

Identificadas as vulnerabilidades citadas, as ações prudentes e responsáveis, considerando a nova realidade climática, são: preservar e proteger a vegetação natural que resta; recuperar espaços naturais, sobretudo áreas úmidas, que ajudam a manter o equilíbrio do ciclo das águas; fazer a transição da agropecuária brasileira para emissão de baixo carbono; dotar as cidades de infraestruturas verde e azul; investir em arborização e áreas verdes urbanas; (re)atualizar a legislação ambiental de acordo com o conhecimento científico.

Todas essas frentes de ação farão a economia rodar e serão geradoras de milhares de empregos. Funções empenhadas em regenerar e nãoem deteriorar paisagens e ecossistemas.

Se há 40 anos atrás as extensas monoculturas abarrotadas de veneno e insumos era motivo de orgulho nacional, hoje não é mais. Se na Década de 90 o corte de árvores urbanas era o único modo de resolver o impasse entre vegetação e infraestrutura ou patrimônio, hoje não precisa ser mais. Se até agora elegemos uma gama de políticos que desprezam a agenda socioambiental e climática ou que promovem o green washing, em outubro próximo, não precisamos (re)elegê-los.

Fazer a opção agora de construir e implantar uma agenda de restauração ecológica e adaptação climática é evitar o engavetamento de vários gabinetes de crise no futuro próximo.

Setembro e outubro nos espera: quente e seco. Certamente com mais queimadas e novos incêndios. Antes fosse o fogo do amor.

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições 

 

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