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É preciso entender o que está acontecendo

Volto, hoje, a falar da onda de violência nas escolas. E, como das vezes anteriores, tomo como referência Michel Foucault, Wilhelm Reich e o historiador Fernando Horta. Percebo que, até agora, quase todas as soluções propostas, tanto pelo governo quanto por outros grupos da so­ciedade são inócuas. Precisamos de um pouco mais de cuidado no que se pensa fazer para conter a violência no âmbito escolar. Há explicações melhores para o que estamos vivendo. Precisamos aceitar que estamos lidando com fenômenos bastante complexos e compreender tais fenô­menos e explicações é essencial para podermos agir nesses casos.

Pode parecer até fora de lugar relacionar a contenção violenta dos impulsos sexuais pela educação conservadora com o fenômeno da violência nas escolas. Mas vejamos. Não é difícil entender a necessidade da educação sexual nas escolas. E concordo plenamente com Fernando Horta que “até para poder desarmar esses sistemas de violência reprimida que operam a partir de famílias conservadoras que estabelecem a errada ideia de que seus filhos e filhas são ‘propriedade’ delas. Estabelecendo aí toda sorte de violências psicológicas que, uma hora, podem explodir em ataques de raiva e fúria”. A conta está chegando.

Assistimos bolsonaristas atacarem exposições e obras de arte por motivos idiotas ligados às “pautas de costumes”. Já aconteceu aqui mes­mo em Ribeirão Preto no MARP. A criminalização do comportamento sexual não tradicional é marca do nosso país nos últimos tempos. Se juntamos a isso uma sociedade machista que coloca o homem no espaço social de recepção de todas as honras, é possível verificar o nível de frustração a que jovens do sexo masculino são submetidos. O bol­sonarismo promete que o “homem” vai ocupar o seu devido lugar. Isso significa que o homem hétero e cisgênero vai ser desejado, respeitado, temido e obedecido.

Como tudo isso repercute na escola? Mais uma vez, faço minhas as palavras de Fernando Horta: “quando na escola os jovens do sexo mas­culino, já submetidos a um processo de castração psicológica, se dão conta que existe ali um sistema educacional que permite às mulheres ignorar os espaços imagéticos do ‘homem alfa’, é contra essa escola e essas mulheres, na figura de professoras e colegas, que a violência se projeta. O ataque a outros meninos (e professores) ocorre por ‘vingança’ e contingência”. O foco de toda essa violência é o sistema escolar inclusivo, reflexivo, crítico e plural e às mulheres.

Mas por que esses ataques são fascistas? O fascismo não é uma monstruosidade externa às pessoas. Estudiosos, como Wilhelm Reich, Gilles Deleuze e Félix Guattari defendem que as práticas fascistas se originam em micro comportamentos que estão presentes em quase todos nós. Isso permite a compreensão de que o fascismo, quando se estabelece como sistema social e político, nos mostra que o problema é bem mais profundo. O abuso dos micropoderes de cada um e o prazer que se sente no seu exercício são como posturas geradoras dos grandes movimentos fascistas. Estamos comprovando diariamente como várias pessoas de comportamento violento e criminoso são assíduos propaga­dores das ideias e posturas de Bolsonaro e seus asseclas.

Policiais armados, disque denúncias, detectores de metal só vão reforçar as mesmas causas que geram todo esse desarranjo nas escolas. Me desculpem os defensores dessas soluções, mas não vão resolver nada. Como afirma Fernando Horta, “a escola precisa voltar a figurar na sociedade como uma instituição capaz de se autogerir e os professo­res/as precisam voltar a figurar como a primeira linha de contenção dos comportamentos violentos e abusivos que – ali adiante – tornar-se-ão fascistas.” As escolas precisam é de mais moderação, educação mais inclusiva, docentes e gestores preparados para enfrentarem essas situ­ações adversas. Menos castração e mais acolhimento. Desconhecer a complexidade dos fenômenos com que se está lidando e propor ações simplistas costuma piorar o cenário. E é isso que hoje acontece. Nos ajude, Edgar Morin!

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