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É possível ensinar a solidariedade na escola?

A solidariedade e outros valores humanos são questões de educação? Os defensores do homeschooling defendem que a escola é apenas para ensinar e não para educar. Edgard Morin, no seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, afirma, no entanto, que “ainda que solidários, os homens permanecem inimigos uns dos outros”. Isso quer dizer que solidariedade e aversão fazem parte da condição humana e, assim, é possível ser estudada na escola. Além disso, também “é um imperativo éti­co, como um valor e uma exigência ética”. Existem práticas que traduzem esse valor em atos concretos como partilhar, ajudar, acompanhar, apoiar, aceitar, integrar, proteger, cuidar, preocupar-se etc.

Nem essas práticas, nem os valores que a elas subjazem surgem naturalmente no desenvolvimento do ser humano. A solidariedade é uma construção social e cultural, uma conquista frágil e demorada da civilização, como afirma o grande pedagogo francês Philippe Perrenoud. Seria ingênuo acreditar que a solidariedade nascerá espontaneamente da compreensão coletiva. Se ela se desenvolver, será em favor de lutas por mais democracia, mais igualdade, mais respeito aos direitos humanos e às diferenças entre as pessoas. Então, existe claramente um viés político nesta questão da solidariedade. É por isso que se falava tanto, até pouco tempo, no projeto político-pedagógico da escola!

A escola pode contribuir para o desenvolvimento da solidariedade, seja pelos exemplos extraídos da própria história, seja pela formação cultural que lhe confira sentido e fascínio, na medida em que os valores ensinados se inserem em uma representação do mundo, em uma visão do sentido da existência, em uma filosofia ou em uma religiosidade. A educação, sozinha, não pode fazer milagres. Entretanto, ela pode contri­buir, e muito, para o desenvolvimento da solidariedade, pois “[a educação] terá um papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para reorientar a humanidade”, como afirma Hugo Assmann em seu livro Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente (Vozes, 1998).

Perrenoud enfoca um método pedagógico para dar valor, sentido e encanto a algo que é ‘espiritual’, no sentido mesmo utilizado pelos sujeitos religiosos. Nenhum valor tem um fundamento totalmente objetivo. Não se pode ‘deduzir’ a solidariedade da natureza, justificá-la inteiramente pela razão moderna, mesmo que esta seja necessária. O fundamento de um valor não se demonstra como um teorema de geometria. Para Perrenoud, então, é preciso de ‘testemunhos’ que mostrem que vale a pena apostar na vida neste sentido, de uma apren­dizagem que leve à experimentação desta aposta pelos alunos e alunas e de uma narrativa que lhes dê sentido em um nível mais amplo.

Numa sociedade pluralista, como a nossa, “para evitar a absolutização de algo humano, é preciso relativizar estas experiências e narrativas prove­nientes das mais diversas tradições e pessoas, religiosas e/ou não. Relativi­zação que não significa a diminuição do seu valor, mas sim a necessária contextualização histórico-geográfico-sócio-cultural”, como afirma meu querido professor do doutorado Jung Mo Sung. A partir disso, eu acredito mesmo que até o ensino do fenômeno religioso, seja como tema trans­versal, como ocorre nas escolas públicas da França, seja como área de co­nhecimento ou uma disciplina, como é previsto aqui no Brasil, responde positivamente a essas condições colocadas por Perrenoud.

A escola deve preservar ao mesmo tempo o pluralismo e o espírito crítico. Logo, ela não pode recorrer a uma filosofia particular, através de qualquer área de conhecimento ou disciplina. O sistema de educa­ção, em uma sociedade democrática e pluralista, só pode professar o próprio ideal democrático e outros valores suficientemente gerais para serem compatíveis com a diversidade das culturas, das religiões e das filosofias das famílias e dos alunos e alunas. É por isso que eu acredito que a escola pode e deve ensinar a ser solidário. Cabe a ela explicitar e incutir valores humanos que nos tornem mais humanos! Se tivés­semos trilhado este caminho até aqui, não teríamos chegado hoje à conjuntura política tão nefasta que enfrentamos.

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