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E os censores atravessaram nosso samba

Após a instituição do Ato Institucional número 5 (AI-5), que aboliu os direitos individuais, como o direito ao habeas corpus, a liberdade de expressão e de pensamento, os militares instituíram a censura no Brasil. Diversos artistas, compositores, escritores foram impedidos de exercer as suas profissões e se manifestarem livremente no nosso país.

No universo do samba, vários compositores tiveram problemas com a censura, tais como Adoniran Barbosa, João Bosco, Aldir Blanc, Zé Keti, Chico Buarque e muitos outros. O interessante eram os argumen­tos dos censores para proibirem a gravação e a execução das músicas. Na maioria das vezes, esses censores não tinham formação e nem nível cultural para avaliarem uma obra artística, e muito menos para enten­der as metáforas que os compositores passaram a utilizar constantemen­te, para tentar ludibriar essa massa bruta ignorante e insensível.

A censura não tinha limites, e pontuava não apenas o sentido das palavras, mas também a forma como eram pronunciadas.

Uma que foi pega de surpresa foi “Tiro Ao Álvaro”, do paulistano Adoniran Barbosa. Em 1973, o compositor teve cinco canções vetadas. Após o decreto do AI-5, Adoniran temeu lançar novas músicas justa­mente por conta da forte censura, e lançou um álbum com canções já gravadas anteriormente, algo como um compilado de sucessos.

Mas foi surpreendido, já que cinco das faixas do álbum foram censuradas. O documento oficial que veta “Tiro Ao Álvaro” (canção de 1960) dá a justificativa de “falta de gosto”. A letra brinca com a oralidade do povo de São Paulo ao contar com as palavras “tauba”, “automorve” e “revorve”. A resposta ao pedido de liberação veio com essas palavras circuladas. Uma clara dedução é que o contexto sociocultural da letra foi completamente ignorado.

Os censores implicavam com tudo. Vez ou outra deixavam passar algumas músicas que alfinetavam o regime, e muitas vezes proibiam músicas que não tomavam posicionamentos políticos.

Paulinho da Viola teve uma única canção censurada durante a ditadura, em 1971, intitulada “Meu Sapato“. A letra que incomodou os censores, na verdade, era sobre um par de sapatos. O estranha­mento provavelmente foi ocasionado por conta da descrição dada aos calçados pela música, que pode ter sido confundida com uma alusão aos militares: “Um barato meu sapato bico chato de puro aço inoxidável”. “Botões de ouro com suas siglas de orgulho e amargura, sempre voltados para o passado”.

A música “Acender as velas” de Zé Keti foi censurada por denun­ciar as más condições de vida nas favelas na década de 1960, cuja letra é a seguinte:

Acender as velas
Já é profissão
Quando não tem samba
Tem desilusão
O doutor chegou tarde demais
Porque no morro
Não tem automóvel pra subir
Não tem telefone pra chamar
E não tem beleza pra se ver
E a gente morre sem querer morrer

Por ignorância e a serviço da repressão política, os censores atravessaram nosso samba. Entretanto, como disse o querido Nelson Sargento: “Samba agoniza, mas não morre”, alguém sempre te socor­re, antes do suspiro derradeiro”.

Salve o samba, a resistência, a liberdade e o compositor popular!

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