Luiz Paulo Tupynambá *
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Foi lançado recentemente o livro “Biografia do Abismo – Como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil” (Harper Collins – 248 páginas – disponível em brochura e eBook), de autoria do cientista político e diretor da empresa de consultoria e pesquisa Quaest, Felipe Nunes, em parceria com o jornalista Thomas Traumann. Trata-se de uma análise profunda das últimas eleições brasileiras, que expõe uma realidade preocupante.
Preocupa porque a polarização esquerda-direita elevou-se a níveis orbitais, a partir da eleição presidencial de 2018, com o embate entre a direita bolsonarista e a esquerda representada pelo PT. Para o autor Felipe Nunes, em recente entrevista sobre o lançamento do livro concedida à Folha de São Paulo, assemelha-se a um embate entre duas torcidas, que extrapolam sua rivalidade para fora dos estádios. O livro traça um cenário realista e sombrio para o futuro da democracia no Brasil. Segundo os autores, essa polarização extrema gerou um abismo entre os dois lados, com perda total da capacidade de diálogo, o que levou a uma calcificação política bipolar.
A extrema-direita começou a ganhar espaço no campo político em diversos países no mundo utilizando os novos meios de comunicação disponíveis e um discurso voltado para os costumes, “desafiando” o sistema político existente. A difusão desse ideário extremo deu-se num processo de formação de bolhas comunicativas, como nas torcidas de futebol, onde só interessa ouvir e falar sobre o meu “time”. Qualquer menção ao adversário será feita com depreciação e ódio. Assim, a comunicação e aceitação do conteúdo proposto deixa de ser uma experiência de raciocínio e se transforma em processo de desconfiança que logo evolui para a rejeição. Quem “pensa” igual a mim é “parça”, quem pensa diferente é “inimigo”. Divide-se a família, com cada um indo para a bolha com a qual se identifica individualmente, gerando tensão entre os membros da família que estão em bolhas antagônicas.
Esse tipo de confrontação desafia as empresas, criando necessidades de decisão e gerenciamento que chegam a ser impossíveis de serem tomadas. “Uso o fulano ou fulana no comercial do meu produto? Melhor não, pode ser que a turma de lá não aceite isso e me boicote nas lojas”. Internamente essa divisão pode criar problemas bem sérios, em todos os níveis de comando, em empresas de qualquer tamanho. Externamente, pode afetar a captação de recursos e financiamento em instituições que estão “do outro lado”. E, como se sabe, a falta de confiança e a incerteza política nunca estão de mãos-dadas com o crescimento econômico.
O comprometimento do futuro do Brasil passa pela permanência de um sistema democrático sem interferências que ameacem a sua existência ou funcionamento. Cotidianamente, nos últimos anos, temos acompanhado tentativas contrárias a isso, vindas principalmente da direita. Exemplos: a constante negação da lisura das eleições, a depredação selvagem das sedes dos poderes em 8 de janeiro de 2023, a insistência da criminalização dos movimentos sociais, com CPIs e discursos inflamados no Congresso Nacional. Mais: a iniciativa de interferência do Poder Legislativo no Poder Judiciário, como na recente proposta de Emenda Constitucional para mudar prazos de mandato dos Ministros do STF e o sistema de prazos e votação dos processos. Sem esquecer da eterna insistência pela adoção do Marco Temporal, da chamada bancada ruralista.
Não há boa perspectiva para as eleições de 2024, quando as “tropas” dos dois lados já estão recrutando aliados e forjando alianças pelo país afora. Com certeza, nas eleições para prefeitos e vereadores nas capitais e grandes cidades, não teremos debates qualificados sobre temas como educação, saúde, transporte, saneamento, moradia e assistência social, que são temas dentro da competência legal de prefeitos e vereadores. Ao contrário, os temas principais serão sobre costumes, inclusão social e racial e segurança pública, de competência legislativa e executiva federal. É a pauta proposta pela extrema-direita com apoio das chamadas grandes igrejas evangélicas. Será a casca de banana jogada para a esquerda escorregar nos debates e horários de propaganda política.
Num universo eleitoral hoje sujeito a influência pesada por parte de organizações religiosas e classistas sobre a decisão do voto do cidadão, a campanha do próximo ano tende a refletir a calcificação dualista proposta pelos autores do livro citado. Vai se gastar muito mais em divulgação nas mídias sociais do que em outros meios de comunicação. É mais barato, atinge maior número de pessoas e ajuda na difusão da mensagem via grupos e comunidades midiáticas.
Aquelas antigas manifestações de voto em animais como forma de protesto, como foi o Cacareco, antiga atração do zoológico de São Paulo, que recebeu mais de cem mil votos para vereador em 1959 e o macaco Tião, candidato a prefeito do Rio de Janeiro em 1988, que recebeu quatrocentos mil votos, quando comparadas à exótica fauna bípede que tem sido eleita nos últimos anos pelo mundo afora usando zapszaps e tiktoks, hoje parecem brincadeira de criança. Basta dar uma passada de olhos pelas atuais bancadas legislativas de estados e municípios. E ficar precavido, porque o resto do circo está chegando.
* Jornalista e fotógrafo de rua