Tribuna Ribeirão
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Dualidade irreal 

Luiz Paulo Tupynambá *
Blog: www.tupyweb.com.br

Vivemos, nós brasileiros, dualidade narrativa antagônica desde 2018. Estamos todos subjugados num universo portador de uma Síndrome de Realidades Alternativas, duas bolhas de não-realidade.

Nesta dualidade esquisita, o lado direito abomina roupas vermelhas. Na Idade Média, o vermelho era a cor da lascívia, devendo evitá-la donzelas e senhoras recatadas. Hoje a cor é a marca do comunismo, algo assim como o “666” é da besta no cristianismo encruado. Pecado só purgado com fogueira para as mulheres lascivas ou pela deglutição de chumbo derretido pelo portador do sinal maldito. Nos chamados círculos da direita nacional, nem camisa ou calça vermelhas são aceitas como roupas do “Bem”. Se descobrirem cueca vermelha: “ahah!!!!! Olha o espião comunista aí”. Também é pecado mortal assumir homossexualidade masculina; a feminina ainda passa, vá lá, pois é preciso “se modernizar”. Defender o direito de a mulher dispor como quiser do seu corpo sempre é confundido com defesa do aborto; não se fala sobre causas identitárias.

Não se pode gostar de leitura com tema superior à autoajuda, cinema sem mocinho e bandido, sem porrada e traficante fuzilado; música, esqueça o pagode, tem que ser música de macho, tipo rock metalão; na balada e no churrasco só country e sertanejo; dança, só pode “foot-loose”, o resto é maricagem; artes plásticas, só marina ou histórica em estilo clássico; escultura, nada que não seja busto, de preferência masculino. Se todo muçulmano tem que ir a Meca pelo menos uma vez na vida, não tira carteirinha sênior o direitista que nunca for a Orlando ou Miami. É uma profusão de cala-bocas e proibições que não conheço muito, é coisa interna do bolsonarismo.

A esquerda brasileira não é tão contundente ao proibir os seus pensamentos, palavras e obras. Camisa da seleção não é boa para usar em manifestação; é proibido desgostar de MPB; fica feio elogiar o trabalho da Rede Globo (coisa em comum com o outro time) e não citar Marx pelo menos uma vez por semana. Tem que aceitar Maduro como “compañero” e que Noriega é um democrata histórico. Cuba está maravilhosa e Putin é o grande defensor da Internacional Comunista. Não uso camiseta original da seleção, pois não sou trouxa de comprar camiseta com preço de terno Armani; acho Maduro e seus generais uns malandros com discurso “esquerdista”; Noriega é um megalomaníaco que se acha divino e ferra com os pobres nicaraguenses; Cuba só está assim porque o imperialismo ianque ainda existe forte e sujo, mas penso que os países da América Latina tem que dar o primeiro passo unindo-se e quebrando o bloqueio econômico; gosto de Marx, Gramsci, Deng Xiao Ping e outros, mas não escrevo ou falo para ficar enfeitando rodapé com citações. Putin é um czar tão feroz quanto Ivan, o Terrível. Acho que a Rede Globo faz um excelente trabalho técnico e dramatúrgico, mas tenho restrições sobre sua orientação jornalística. Da MPB, adoro tudo, mas dá para fazer um belo mexidão com outros ritmos do mundo, que faça o povo sair assobiando e rebolando ladeira abaixo.

Voltando à chatice dos últimos seis anos, a decisão de Alexandre Moraes de suspender a plataforma “X” no Brasil tem, sim, fundamentação jurídica. É uma empresa estrangeira que disponibiliza serviços para cidadãos brasileiros em território brasileiro. Portanto, é óbvio que ela teria que ter uma sede ou representação aqui no Brasil. Com CNPJ, endereço, responsável, etc. A Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, e a Alphabet, dona do Google, do Gmail e do YouTube, são empresas como o “X”. E têm sede, CNPJ, representante legal no país. Qual é a diferença da empresa de Elon Musk das outras da mesma área de atuação? Só os donos. Todas faturam comercialmente no Brasil, vendendo anúncios para serem visualizados em suas plataformas. O senhor Musk desrespeitou reiteradamente decisões da Justiça Brasileira. E advogados sabem que decisão da Justiça não se discute nem se desobedece, cumpre-se. E aí, sim, entra com o remédio jurídico correto para embargar ou modificar a decisão. Musk simplesmente tirou o time de campo, ao estilo futebol de várzea, melando a partida. Mau perdedor, mostra o seu caráter autoritário. “Ou joga com as minhas regras e eu sempre ganho ou não tem jogo”. Em Estados Democráticos, como o brasileiro, não é assim que funciona. Nem aqui, nem lá na terra dele. Descumpra uma decisão judicial nos Estados Unidos e você vai chorar o leite derramado na cadeia ou vai arder muito no próprio bolso.

Vários jornalistas e juristas apontam censura na decisão de Alexandre de Moraes. Não concordo. A premissa de que milhões de pessoas ficarão sem onde publicar suas ideias e propostas com a suspensão do “X”, não se sustenta, pois, existem várias alternativas para as publicações, dezenas de outras mídias sociais, também gratuitas. O que chama a atenção é que a grita maior vem do grupo que proíbe tudo, a direita brasileira. Proíbe de tudo, do jeito de vestir ao modo de pensar entre os seus. Agora vem falar de liberdade, pagar de democrata e fingir dialogar? Ora, prestenção. Vai conversar isso entre vocês mesmos, lá é o lugar certo, afinal “é conversa pra boi dormir”, como diziam antigamente.

Basta que Elon Musk faça o razoável, abra sua empresa aqui para representar o “X”, conteste as multas da maneira correta e volte a funcionar. Do jeito que um estado democrático funciona.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

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