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Do samba aos ‘pancadões’, repressão às manifestações

No Rio de Janeiro, na década de 1920, os sambistas não podiam fazer uma roda de samba e eram perseguidos pela polícia. Os ricos faziam seus bailes de carnaval e o desfile de Corsos com chuva de confete e guerra de serpentina, com todo consentimento e aplausos do poder público. Hoje, os jovens que vivem nas periferias das grandes cidades também são perseguidos e reprimidos ao tentarem fazer seus bailes funks, ditos “pancadões”, enquanto as elites podem fazer tranquilamente, e com liberação do poder público, seus trios elétricos nas ruas da Zona Sul e qualquer tipo de manifestação.

A questão a ser discutida por toda a sociedade deveria ser a seguinte: se todos são cidadãos e moradores da mesma cidade, e todos têm o direito de se divertir, cada qual a seu modo, por que o “pancadão” no Parque Ribeirão não pode e trio elétrico na Zona Sul pode? Por que tem alvará e liberação para trio elétrico e para “pancadão”, não? Por que fecham ruas na Zona Sul para essas atividades e na periferia não pode?

Usando a única arma que tenho, que é o conhecimento histórico, posso dizer que a perseguição aos negros e pobres continua e é reproduzida há séculos, mesmo depois do final da escravidão. “Senhor, recebemos a denúncia de que aqui se canta samba”. Essa frase partiu de um policial, nos primeiros anos do século 20, dirigida a um dos pioneiros do samba carioca, João da Baiana.

A perseguição aos primeiros sambistas era herança da discriminação contra os negros, libertados da escravidão poucos anos antes. Foi assim, perseguido e marginalizado, que o samba cresceu na chamada “Pequena África” – o apelido foi dado por Heitor dos Prazeres. Essa região localizada entre os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e a Pedra do Sal abrigava terreiros de candomblé, onde depois dos cultos eram formadas rodas de samba.

A região da Praça Onze também era marcada por reuniões de músicos como Donga e Pixinguinha. Lá ficava a casa de Tia Ciata, considerada uma das matriarcas do samba. Enquanto o samba florescia, as manifestações carnavalescas “dividiam” o Rio. A elite se divertia nos bailes e se exibia nas grandes sociedades, como Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos. A grandiosidade e o luxo das alegorias paravam as ruas do Centro. As alegorias eram puxadas por cavalos, tinham movimentos, iluminação própria e traziam belas mulheres.

Mas o que não havia nessas outras manifestações carnavalescas era o ritmo contagiante do samba. Antes, marginalizado; mais tarde, consagrado o gênero musical mais popular do Brasil. Em relação aos “pancadões” na periferia, atualmente, o que o Estado tem como objetivo é aumentar a repressão nesses locais, que já sofrem com ela diariamente, e acabar com toda e qualquer tipo de ação feita pelos moradores. Existe também uma grande censura em torno do funk, que sofre grande marginalização por parte dos que tentam censurar as festas, sendo o tipo de música mais ouvida durante as festas realizadas nos bairros.

O que o Estado quer é cercear a população nas periferias. Querem que os moradores fiquem presos dentro de casa. É preciso combater toda forma de censura e repressão contra o povo nas periferias, pois o povo tem o direito de se manifestar culturalmente nos seus bairros. O poder público não oferece aos moradores periféricos espaços de lazer e de enriquecimento cultural. A grande maioria dos bairros periféricos não tem clube esportivo e nem centros culturais adequados para a participação dos cidadãos.

Se eles não são assistidos pelo poder público adequadamente, que não oferece opções de lazer e cultura, os moradores são obrigados a encontrar alternativas para se expressarem, pois se não tem dinheiro para irem aos shows e não podem frequentar os espaços culturais comerciais tradicionais, então eles criam seus espaços, na medida do que têm disponível e do que eles podem.

Está na hora de o poder público tratar todos os cidadãos com isonomia, independentemente da condição social ou onde mora. Estamos em pleno século XXI e precisamos aprender a respeitar os direitos universais dos seres humanos, consagrados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, desde o século XVIII. E lembrando Geraldo Filme: “Garoto pobre só pode estudar em escola de samba ou ficar pelas ruas jogado ao léu, implorando a bondade dos homens, aguardando a justiça do céu. Seu lápis é sua baqueta que bate o seu tamborim, ninguém olha esse coitado, senhor qual será o seu fim”?

Salve a democracia!

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