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Do fio do bigode para as fake news

Recentemente li um editorial do Jornal Tribuna Ribeirão que me chamou a atenção logo no título: Toffoli, Odebrecht e avaliação do STF. Pensei comigo que seria impossível, com um título desse, algum texto não ficar parecendo uma tese, tamanha a complexidade do assunto. Quando comecei a ler percebi que se tratava de uma síntese da pesquisa feita pelo Instituto Atlas sobre a percepção da população em relação a esses temas. Para quem quiser ler na íntegra segue o link (https://www.tribunaribeirao.com.br/site/eventos-que-inspiram-e-ensinam/).

O que me chamou a atenção foram os índices sobre a aprovação ou não da decisão do ministro do Supremo, que anulou um conjunto de provas colhidas pela Lava Jato no caso da Odebrecht, o que beneficiou a defesa do atual presidente. Explico porquê. Enquanto 54,1% dos brasileiros discordam da decisão, 27,6% afirmam concordar e apenas 18,3% disseram não saber. Não estou colocando em dúvida a metodologia da pesquisa e nem fazendo análise política do resultado, apenas me questionei se tem tanta gente assim que acompanhou o caso profundamente para julgá-lo. Prefiro acreditar na sinceridade dos que disseram desconhecer o assunto para omitir uma opinião.

Mas como eu acompanhei, mesmo que de longe, o desenrolar dessa história, me sinto à vontade para fazer algumas considerações, mesmo sem ter respondido à pesquisa. O que mais me causa perplexidade nesse desfecho é que, se o ministro está correto em sua decisão, como fica o pessoal da empreiteira que fez a confissão do crime, devolveu dinheiro aos cofres públicos, teve executivos presos, presidente do Conselho assumindo que esta era uma prática de muitos anos, e que ainda veio a público pedir desculpas ao Brasil em um extenso comunicado publicado nos principais veículos de comunicação do País, reconhecendo o erro? Para usar um termo que está muito em moda, será que tudo isso foi fake news?

Recuso-me a acreditar que esse episódio da nossa história vai acabar assim. Sem resposta para essas perguntas. Não sou especialista em Direito, mas sou um empresário com muitos anos de experiência, e não creio que uma empresa do tamanho e relevância da Odebrecht seria capaz de fazer um roteiro tão bom se colocando no papel de vilã. Mesmo porque o acordo de leniência firmado em 2016, com a previsão de multa de indenização com valores bilionários, envolveu outros países que fizeram simultaneamente o acordo, como os Estados Unidos e a Suíça, cada um recebendo a sua parte diretamente da empresa, que por sinal teve suas operações amplamente afetadas, tendo iniciado a retomada das atividades e recuperação do posicionamento no mercado somente há pouco tempo.

De maneira simplificada, a decisão do ministro considerou que a contabilidade informal que foi disponibilizada pela empreiteira ao Ministério Público Federal teria sido obtida de maneira irregular, sem que houvesse passado pela Ministério da Justiça, nos acordos de cooperação entre outros países e o Brasil. Se isso é suficiente para anular tudo o que foi sacramentado, como fica a Odebrecht? Ela terá que reivindicar o dinheiro de volta e assumir que divulgou uma fake News faraônica sobre si mesma e que sofre de síndrome do impostor (termo psicológico que descreve medo persistente de ser exposto como uma fraude, como incompetente)? Outra possibilidade é concorrer ao Oscar de melhor roteiro adaptado?

Brincadeiras à parte, para mim, que sou do tempo em que fechávamos negócios no fio do bigode, em que a palavra empenhada tinha valor, é muito difícil entender e aceitar essa situação. Mesmo que existam milhões de argumentos jurídicos que possam sustentar uma ou outra tese. Depois de, na Pandemia, relembrar Sócrates com sua emblemática frase “só sei que nada sei”, para explicar minha sensação de impotência e ignorância perante ao que estava vivenciando, só me cabe agora, diante desses fatos, recorrer à frase atribuída a Clarice Lispector: “Não procure entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.

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