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Dívidas não prescrevem em grupos empresariais?

A possibilidade de cobrança de dívidas pela via judicial não perdura para sempre; a lei prevê um prazo, denominado prescricio­nal, que deve ser obedecido por aqueles que pretendem recorrer ao Poder Judiciário para exercer seu direito.

A prescrição trata-se de uma ferramenta de extrema relevância no mercado, tendo em vista que, além de permitir o planejamento financeiro daqueles que eventualmente poderiam ser demandados judicialmente para pagar a dívida, possibilita que terceiros que desejem investir nas empresas endividadas por meio de aquisições e fusões, por exemplo, possam ter segurança quanto ao volume, à natureza e aos riscos atrelados ao passivo das empresas investidas.

Sobre essa questão, um posicionamento peculiar foi tomado pelo Judiciário Paulista. Após 13 anos sem o andamento de uma execução, por não se encontrar bens do devedor para pagamento da dívida, a parte que realizava a cobrança requereu a inclusão de outra empresa no processo para pagar o montante devido. A alegação se baseou no fato de que tal empresa havia adquirido o estabelecimen­to comercial de sociedade que fazia parte do grupo econômico da empresa endividada.

Embora a 11ª Vara Cível de São Paulo tenha negado o pedido com base no prazo prescricional, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, reverteu a deci­são, com o argumento de que não haveria prazo prescricional para a inclusão de empresa do mesmo grupo econômico na execução. Uma vez que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ser requerida a qualquer tempo durante o processo (art. 134, Código Civil); ou seja, movida a execução contra o devedor, não haveria ne­nhum limite temporal para o eventual redirecionamento da cobran­ça para outras empresas que viessem a compor o grupo.

A decisão proferida pelo Tribunal é surpreendente, considerando que, além de não existir lei que impeça a ocorrência da prescrição no caso, viola a legítima expectativa do devedor de não ser cobrado por dívida mais de 10 anos depois de seu vencimento.

O posicionamento tomado pelo Tribunal paulista toca em questão ainda mais delicada, visto que baseou seus argumentos na formação de grupo econômico que, embora seja estrutura empresa­rial muito utilizada pelas empresas ao redor do mundo, ainda tem contornos jurídicos incertos no Brasil.

Considerando que os grupos econômicos são fluídos, mal definidos juridicamente e estão sempre se reinventando, o credor acaba por se valer de uma possibilidade perpétua de incluir novas empresas em ações executivas, até que consiga satisfazer sua dívida. Por outro lado, nunca haverá a certeza por parte da sociedade em­presária – seja por ser participante do grupo, seja por ter adquirido empresa de um grupo – de que seu patrimônio não será atingido por dívidas muito antigas de outras sociedades, das quais nem mesmo tivesse ou pudesse ter conhecimento.

A decisão argumenta ainda que a desconsideração da personali­dade jurídica só tem cabimento quando a execução se frustrar, por não se encontrar bens do devedor, por exemplo, razão pela qual não se poderia alegar que o prazo prescricional começa a contar a partir da iniciativa de cobrança do primeiro devedor. No entanto, parece que a tese não tem correspondência na lei, sendo inclusive refutada pelo próprio Código de Processo Civil, já que permite que o pedido de desconsideração seja feito diretamente no início da ação de execução.

Em verdade, a decisão adota postura temerária de recuperação ostensiva de crédito, transgredindo uma série de preceitos básicos e constitucionais do direito brasileiro, tais como a segurança jurídica e o devido processo legal. De todo modo, diante do afastamento da ocorrên­cia de prescrição, no caso do objeto da decisão do Tribunal paulista, cabe ainda maior atenção daqueles que forem se relacionar com estruturas de grupos, sobretudo em fusões e aquisições empresariais.

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