Adriana Dorazi – especial para o Tribuna Ribeirão
O uso de medicamentos à base de canabidiol é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil desde 2015. Mas, na prática, poucos pacientes que podem se beneficiar do CBD, princípio medicinal da maconha, têm acesso ao medicamento.
Custo, dificuldade de importação e o básico: prescrição médica. Esses são alguns dos desafios no caminho de quem busca o tratamento. A esperança para as cidades do estado de São Paulo veio em janeiro quando o governador Tarcísio de Freitas anunciou a elaboração de um projeto de lei para permitir a distribuição gratuita do canabidiol pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Aprovado e sancionado, esse projeto virou lei, mas não entrou imediatamente em vigor. Foi criada uma comissão de especialistas, envolvendo médicos e outros profissionais da saúde, para definir como o fornecimento passaria a ser feito. A primeira decisão do grupo saiu neste mês de junho.
Má notícia para milhares de pacientes com autismo, epilepsia, dores crônicas, entre outros problemas de saúde. Essa maioria ainda terá que esperar para ter acesso ao benefício. A cannabis medicinal foi liberada apenas para portadores de três síndromes raras, que precisarão comprovar a necessidade e se adaptar a uma versão nacional do remédio, ainda não definido.
A reportagem do Tribuna Ribeirão questionou a decisão do governo. Em nota a explicação não é clara e evidencia falta de isonomia. “Após análise de um conjunto de evidências clínicas, definiu as primeiras doenças indicadas para uso da medicação: Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa”. A Secretaria da Saúde não esclareceu quantas pessoas representam esses grupos.
“Os grupos de estudo seguem avaliando a possibilidade de ampliação da disponibilização da medicação para outras patologias mais complexas com base em análises, discussões e evidências clínicas. A previsão é que, até o final de junho, o comitê defina os critérios para que o paciente que possui o diagnóstico e que preenche os requisitos necessários possa solicitar o medicamento assim que houver disponibilidade. Na sequência, a pasta iniciará o processo licitatório para aquisição dos medicamentos e, provavelmente, dentro de três meses, a medicação estará disponível na rede SUS”, completa a nota.
Três meses para essas três síndromes, demora para quem luta contra doenças incuráveis. Para todos os demais, mais aflição, sem definição de prazo – apesar de muitas comprovações científicas da segurança e eficácia do canabidiol em diversos tratamentos no país e fora.
Uso em crescimento
O governo federal divulgou recentemente alguns números que revelam o crescimento do uso terapêutico de substâncias extraídas da planta da maconha. Aumento de quase 100% no país, mas a produção continua bastante limitada aqui, por conta da proibição. Boa parte do que é consumido legalmente ou é importado ou é produzido por quem consegue decisão favorável na Justiça.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo confirmou que a venda de caixas do medicamento à base de canabidiol passou de mais de 50 mil em 2021 para mais de 170 mil em 2022.
Mesmo assim, o aumento do consumo é incompatível com a oferta no Brasil, pois a lei antidrogas proíbe o cultivo e a exploração comercial da cannabis, mesmo para uso terapêutico. Nas farmácias, já existem medicamentos com substâncias da maconha isoladas e também é possível fazer importação direta, mas, nos dois casos, os custos são elevados.
Também há outros desafios, como é o caro da mãe Simone Dias. Ela vive na comunidade do Simioni em Ribeirão Preto com o filho autista de seis anos. A mãe gostaria de tratar Neytta- com o canabidiol, mas nem consegue consultas com especialistas que possam prescrever e acompanhar o tratamento com o medicamento.
Desde o nascimento o menino de sorriso fácil vence desafios que vieram da cesária de emergência. Em 2021 tiveram a confirmação do diagnóstico que ainda é atípico, sendo necessário avaliar com um neurologista infantil ou psiquiatra para analisar detalhadamente as comorbidades associadas que podem modificar o tratamento.
Neytta- está fora da escola porque não consegue professor de apoio. Para Simone o cannabidiol é uma esperança contra as crises de agressividade e dificuldades de concentração. “Nesta semana conseguimos confirmar que ele também tem TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Então, pelos relatos em outros casos, entendemos que o canabidiol será positivo para ele que nem consegue ficar na escola por falta de suporte adequado e agitação”, explica.
“Meu filho é um menino extremante inteligente mas precisa de atendimento multiprofissional para aprender a canalizar isso para o aprendizado. Os medicamentos tradicionais que ele toma têm efeito por no máximo seis meses, depois não ajudam mais e dão efeitos colaterais”, lamenta.
Simone quer algo mais natural e eficiente para o único filho. “O Neytta- é bênção na minha vida, mas tem dias muito difíceis. Então eu preciso tentar uma alternativa mais natural que já se mostrou eficaz em casos como o dele. Seguimos esperando e acreditando que um dia será possível vencer esses desafios, a burocracia”, conclui.
Medicação ganha destaque
Para o fundador da Clínica Gravital, Joaquim Castro, uma das especializadas no medicamento, o anúncio do governo paulista indica que o uso da cannabis medicinal está ganhando mais destaque e pode avançar ainda mais. “A decisão da comissão de especialistas é um ganho para todo o setor que atua com a cannabis medicinal, porque coloca a planta em evidência para os tratamentos de saúde e é um reconhecimento que o Estado pode contribuir de forma efetiva para atender a alta demanda de pacientes, abrindo a discussão para que outros estados e até o governo federal criem leis semelhantes”, destaca Joaquim Castro.
Veja as doenças que poderão ser tratadas com a cannabis medicinal pelo SUS no estado de São Paulo
– Síndrome de Dravet: é uma doença rara, que causa epilepsia grave e afeta o neurodesenvolvimento da criança.
– Síndrome de Lennox- Gastaut: causa epilepsia severa entre as crianças e impacta no desenvolvimento mental e físico.
– Esclerose Tuberosa: doença degenerativa que pode provocar crises de epilepsia, além de causar tumores, que pode afetar diversos órgãos.
ALFREDO RISK
A venda de caixas do medicamento à base de canabidiol passou de mais de 50 mil em 2021 para mais de 170 mil em 2022 segundo a indústria farmacêutico