Feres Sabino *
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O desembargador aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Beneti é o mais novo membro da Academia Ribeirão-pretana de Letra. Na ocasião dia 21/11, no Salão do Juri do Fórum de Ribeirão Preto, usaram da palavra, Rui Flávio Chúfalo Guião e Sérgio Roxo da Fonseca e estou publicando o meu discurso.
Senhor Presidente.
Impressionou-me sempre, sempre, o traço de personalidade, o sentimento de pertencimento de Sidnei Beneti, com sua terna e fiel e repetida recordação, que tem muito a ver com a solenidade de hoje É o lugar, é a escola antiga, é o Instituto de Educação Otoniel Mota, são os amigos de antigamente, os professores, a cidade, todos povoam permanentemente o seu coração e sua alma agradecida, como habitam a sensibilidade e a emoção de quem o conhece e ouve. Celebrar o passado, com sorriso e simpatia, é dar graças a vida que se viveu e a vida que se viverá, ainda que nestes dias tumultuados e tumultuosos nossos paradigmas culturais estejam sob ataque da mediocridade, assumida como talento novo, e utilizando, perversamente, a tecnologia da desinformação.
Entretanto, devo falar das vozes colidentes, das vozes coincidentes, das vozes convergentes que circulavam, como circulam, no jardim de pedras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Essa é a designação da nossa Presidente, Fernanda Ripamonte.
Mas qual dessas vozes? Sim, representarei a voz histórica daquela torre da Petrobrás, que simbolizava a proposta de uma ideia força da identidade nacional, e representarei aquela tribuna livre que, até hoje, celebra a liberdade e a democracia, situada defronte de nosso prédio. Falarei de ambas porque ambas as bandeiras predispõem à certeza da dignidade da pessoa que dali se projeta pelas alamedas do tempo e da vida, assim advogados, juízes, promotores, delegados, professores, assim cultores do direito, (projetados) para o confronto desse mundo que não se cansa de colecionar escombros humanos, éticos, jurídicos e sociais.
Essa força telúrica de nossa tradição depara-se, hoje, com uma de suas vozes, e até se acomoda em silencio, em algum espaço desse ambiente simbólico, para conferir as digitais que Sidnei Beneti deixou pelas paredes da vida. Intrigou-me sempre a sua paixão — que dura a vida inteira— pelo fato histórico da Guerra de Canudos, dominante de sua inteligência e alma, desde as jornadas euclidianas do Instituto de Educação Otoniel Mota. Nelas e com elas aquele silencioso martelar da expressão de Euclides de Cunha dizendo, forte, que aquele fato histórico, horrendo e trágico, fora “um crime”. E eis que o tempo revela um recado oculto, mais do que um recado oculto, a diretriz invisível do que deveria ser, como foi, a emergência de uma vocação, que se dedicaria, como se dedicou, as lides e as coisas da administração da Justiça, como se em cada ato e cada fato, aqui e no exterior, ele, sonhador, de alguma maneira seria capaz de redimir o país de seu pecado do crime coletivo, que até hoje faz o Brasil bater a cabeça nas paredes da história, em busca de sua identidade, e como uma maldição.
E aquelas vozes históricas, pertencente ao espaço da bendita e libertária criação universitária, exigente de dignidade de todos que se lançam às profissões, como operadores do direito,— aqueles vozes históricas — assistem eufóricas e realizadas em sua inspiração, a celebração da dignidade que se fez em Sidnei Beneti, como juiz, como Desembargador e como Ministro, e como aposentado e advogado que sempre foi e é.
Um juiz não precisa ter a cultura humanista de Sidnei, juiz não precisa ser poliglota como Sidnei o é, Juiz precisa ter a decência da coragem humilde ou da humilde coragem, e ter consciência de que o seu dever de imparcialidade é na verdade o resultado de um esforço pessoal quase heroico, vivenciado com surpreendente naturalidade em Sidnei Beneti, no trato respeitoso dos advogados, das partes e de todos, contribuindo eficazmente para a credibilidade de sua função, que significa legitimidade reconhecida, que significa confiança geral.Juiz não precisa criar ou descobrir uma ideia de justiça, como Sidnei a elaborou. Aliás, é de justiça histórica contá-la aqui, e contá-la sempre, como eu o faço.
Em 1985, o Tribunal de Justiça de São Paulo decretou o sequestro das rendas públicas, que paralisaria os serviços do Estado. A matéria ficou no âmbito do Supremo Tribunal Federal, e essa ideia era simples – a quitação de precatório deveria ser atualizada até a data do efetivo pagamento. Tal surpresa, gigantesca surpresa, subverteria, naquela ocasião, o orçamento já aprovado do Estado, e aprovado no ano anterior.
Se no primeiro momento, o Estado superou a questão, a verdade é que essa ideia invadiu a jurisprudência, a Constituição e as leis—- precatório atualizado até a data do efetivo pagamento.
Pesquisou-se onde estaria a justificativa originária daquela questão singela e retumbante, e eis que surge, em numa revista, o artigo pioneiro de Sidnei Beneti, assessor da Presidência do Tribunal de Justiça. Tal ideia inovadora ingressou com ele nos anais do Poder Judiciário do Brasil.
As vozes do Jardim de Pedra da Faculdade de Direito de São Francisco reconhecem a inteligência e a cultura e a dignidade produtiva e honrada de Sidnei Beneti.
É o que penso é o que digo. (Fórum de Ribeirão Preto, Salão do Juri, dia 21/11/2023)
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras