Tribuna Ribeirão
Cultura

Dinossauro pequeno e predador

Rosemeire Soares Talamone (USP)

Pesquisadores do Brasil e da Alemanha reconstruíram partes do cérebro do Saturnalia tupini­quim, um dos dinossauros mais antigos do mundo, descoberto há cerca de 20 anos pelo grupo do professor Max Langer, da Faculdade de Filosofia, Ciên­cia e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).

Com os dados da reconstru­ção, os pesquisadores puderam entender mais detalhes sobre o comportamento desses animais. O estudo foi divulgado no arti­go “Endocast of the Late Triassic (Carnian) dinosaur Saturnalia tupiniquim: implications for the evolution of brain tissue in Sau­ropodomorpha”, publicado nes­ta quarta-feira, 20 de setembro, na Revista Scientific Reports, do Reino Unido.

Os autores são Mario Bron­zati, doutorando pelo Progra­ma “Ciência sem Fronteiras”, na Ludwig-Maximilians-Universitat, Alemanha, seu orientador, o pro­fessor Oliver W. M. Rauhut, e os pesquisadores brasileiros Jonathas S. Bittencourt, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Max Langer, da USP.

Segundo os pesquisadores, essa é a primeira vez que partes do cérebro de um dinossauro tão an­tigo foram reconstruídas. Os acha­dos indicam, por exemplo, que “a morfologia do cérebro do Satur­nalia traz evidências adicionais de que os sauropodomorfos mais antigos eram animais predadores”, opina Max Langer.

Saturnalia tupiniquim – Sa­turnalia tupiniquim foi um dinos­sauro de pequeno porte, com cer­ca de 1,5 metros de comprimento e pesando aproximadamente dez quilos. Os fósseis do Saturnalia foram encontrados há cerca de 20 anos na área urbana de Santa Ma­ria, no Rio Grande do Sul.

“Muitos detalhes da anatomia do esqueleto pós-craniano (mem­bros, coluna vertebral e cinturas) do Saturnalia já eram conhecidos, mas essa é a primeira vez que par­tes de seu crânio foram estudados, incluindo a reconstituição do cére­bro com base em microtomogra­fia computadorizada”, diz Bronza­ti. Saturnalia pertence à linhagem de dinossauros conhecida como “Sauropo-domorpha”, que inclui os maiores animais terrestres que já habitaram o planeta, os sauró­podos, que podiam alcançar até 40 metros de comprimento, e pe­sar até 90 toneladas.

Os mais antigos fósseis de sau­ropodomorfos provêm de rochas do Triássico Superior, 230 milhões de anos atrás, e são conhecidos no sul do Brasil e da Argentina. A li­nhagem Sauropodomorpha viveu na terra por cerca de 170 milhões de anos. Seus últimos represen­tantes foram extintos há cerca de 65 milhões de anos (passagem do Cretáceo para o Paleógeno).

Cérebro do Saturnalia – Para os pesquisadores o Saturnalia possuía o flóculo e o paraflóculo do cerebelo bem desenvolvidos. Estes tecidos fazem parte de sis­temas neurológicos que operam no controle do movimento de cabeça e pescoço, e também no controle da visão. O grande vo­lume destas estruturas indica um comportamento em que movi­mentos rápidos de pescoço e ca­beça eram usados para capturar presas pequenas e esquivas.

“Dessa forma, devido ao fato do alongamento do pescoço e a redução do crânio representarem marcas registradas do plano cor­póreo de saurópodos, os primei­ros passos na aquisição dessa mor­fologia única parecem ter surgido como adaptações para predação, em um cenário evolutivo conhe­cido como exaptação, ou seja, pro­cesso em que uma característica surge com uma certa função, mas passa a ter outra função em um momento distinto da história evo­lutiva da linhagem”, explica Langer.

Visitar o passado – Os pes­quisadores lembram que o estu­do do comportamento de ani­mais extintos é dificultado pelo fato de que não se pode observar o animal em vida, além do fato de o cérebro ser raramente pre­servado no registro fóssil. “Os estudos baseados em reconstru­ções digitais desta estrutura são a melhor forma de se obter tal tipo de informação, mas eles sempre devem ser interpretados com cautela” diz Bronzati.

Para os pesquisadores, o novo estudo é um importante primeiro passo na busca por uma melhor compreensão do comportamen­to dos primeiros dinossauros. “Estudos futuros certamente trarão mais informações para entender em mais detalhes a evolução da linhagem dos sauro­podomorfos, que começou com pequenos animais predadores e posteriormente deu origem aos gigantes herbívoros do passado”, finaliza Langer.

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