João Camargo
Neste ano, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou os dados estatísticos de violência contra pessoas LGBTQI+ no Brasil, por meio do Atlas da Violência 2021. De acordo com a publicação, em 2019, ano mais recente do balanço feito pelo “Disque 100” — canal de comunicação da sociedade civil com o poder público que registra denúncias de violações de direitos humanos de toda a população —, foram registradas 833 denúncias dessa modalidade. Um ano antes, a quantidade de registros foi de 1.685, resultando em uma queda de 50,5%.
No entanto, Fábio de Jesus, presidente da ONG Arco-Íris de Ribeirão Preto, não acredita que, na prática, haja de fato uma redução. Para ele, ao invés de uma queda, na realidade, notou-se um aumento no número de casos de violência contra a população LGBTQI+. Ele ressalta que a diminuição no número se dá pelo fato de que muitas vítimas não fazem uma denúncia formal temendo sofrer preconceito dentro da própria delegacia.
“A gente sabe que tem muitos policiais civis que não são preparados para atender a nossa população [LGBT] e muitas vezes as vítimas não vão até a delegacia por medo de serem oprimidas por conta da sua orientação sexual e sua identidade de gênero. Então, a gente acha que, na verdade, não é que teve uma queda, mas sim um aumento. Isso eu falo, porque as denúncias chegam até nossa ONG e, muitas vezes, nós temos que acompanhar os casos dentro da própria delegacia para garantir o direito desses cidadãos de sair com um boletim de ocorrência na mão”, disse.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) comunicou que “todas as delegacias no estado de São Paulo são aptas para registrar e investigar crimes de discurso de ódio, com os profissionais devidamente capacitados sobre como proceder nesses casos”.
O presidente da ONG ainda completou dizendo que a falta de políticas públicas na cidade é a maior dificuldade encontrada pela comunidade que sofre com a discriminação diária. “A gente acha que a discriminação em Ribeirão Preto é muito pesada, principalmente contra a nossa população de mulheres trans e travestis. Tem também muitas piadinhas, muitas pessoas que discriminam a população LGBT dentro das escolas, então a gente precisa enfrentar essa LGBTfobia todos os dias e a falta de políticas públicas na cidade é muito grande”, comentou Fábio.
Em Ribeirão Preto, a ONG Arco-Íris tem promovido ações contra a violência LGBTfóbica, assim como atendido e recebido vítimas de discriminação. Atualmente, o trabalho da ONG é encaminhar as pessoas para órgãos competentes que possam atender essas demandas. Fábio ressaltou que a população está esperando a inauguração do Centro de Cidadania LGBT de Ribeirão Preto, que seria utilizado para atender essas vítimas. “[O Centro] teria um advogado, um psicólogo, um assistente social para atender todas essas demandas de violência e violação de direitos da população LGBT em Ribeirão Preto”, comentou Fábio. No entanto, segundo ele, a criação ainda não saiu do papel.
Questionada, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) comunicou que desde 2020 “não tem medido esforços para implantar o Centro, contudo, a primeira tentativa do processo licitatório para contratar a empresa que prestará os serviços de atendimento restou frustrado”. Completou ainda dizendo que, em conjunto com o Conselho Municipal de Diversidade Sexual, entendeu que seria melhor modificar o plano de trabalho.
“Para tanto foi necessária autorização do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A autorização foi dada em abril de 2021. A partir daí, iniciou-se novo processo licitatório para contratar a empresa que oferecerá o atendimento à população LGBTQI+”, comunicou em nota.
A Semas ainda informou que o processo está em vias de finalização e que foi apresentado recurso por uma das empresas desclassificadas, cujo resultado deve sair nos próximos dias. “Finalizado o processo licitatório, iniciaremos o processo de implantação do Centro de Cidadania”, finalizou.
Violência em Ribeirão Preto
No início de 2021, nos dias 9 e 10 de abril, a travesti Márcia Marcita e a transexual Milena Massafera foram assassinadas em Ribeirão Preto. Mesmo após seis meses dos crimes, os autores ainda não foram identificados e os casos seguem sendo investigados pela Polícia Civil.
Márcia foi encontrada morta em sua própria casa, no bairro Parque Industrial Avelino Alves Palma. Apesar do corpo ter sido encontrado no dia 9, um amigo dela estaria sem conseguir contato com Márcia desde o dia 5 daquele mês. De acordo com a polícia, o corpo da travesti apresentava marcas de violência.
No caso de Milena, uma câmera de segurança gravou o momento em que ela se encontrou com um homem no apartamento em que residia. As imagens também são do dia 9 de abril e mostram que ambos entraram no imóvel e, após alguns minutos, o suspeito deixou o local com roupas trocadas. O corpo de Milena foi encontrado no dia seguinte e, de acordo com a Polícia Militar, possuía ferimentos provocados, provavelmente, por uma faca ou canivete. Foi informado também que foram detectados sinais de luta corporal.
“Para nós, esses crimes são crimes de ódio, que todos os dias acontecem no nosso país. Ainda queremos justiça no caso da Milena e da Márcia, os quais não tiveram os autores dos crimes encontrados”, reiterou o presidente da ONG Arco-Íris.
Em relação às investigações, a SSP-SP informou que ambos os casos estão sendo apurados pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) de Ribeirão Preto. Além disso, acrescentou que a autoridade policial realiza diligências em busca de elementos que auxiliem na identificação e responsabilização dos autores. No entanto, demais detalhes não foram divulgados para preservar o trabalho da polícia.
Mais recentemente, na última quarta-feira, 13 de outubro, uma travesti, que não teve a identidade divulgada, morreu após ter sido agredida por um homem no Jardim Salgado Filho, na zona Norte da cidade. Na oportunidade, a vítima teria se desentendido com o suspeito que passou a agredí-la.
A travesti chegou a ser socorrida até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte, mas não resistiu aos ferimentos. Quanto ao autor, este foi detido e linchado por moradores do bairro após se revoltarem com a situação. Posteriormente, o homem foi detido pela polícia e preso em flagrante por homicídio.