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Diálogo pelo piano de Alexandre Tharaud

Por João Luiz Sampaio, especial para o Estadão

Alexandre Tharaud tinha apenas seis anos, talvez sete, quando tocou pela primeira vez uma composição de Maurice Ravel. E alguma coisa diferente aconteceu. O menino não tinha como colocar em palavras a sensação. Mas o pianista de 52 anos é rápido e claro na explicação.

“Quando toco uma de suas peças, eu me encontro, entendo o que sou”, ele diz. “Ravel escrevia obras que fazem, do início ao fim, arcos enormes. Mas sem deixar de prestar atenção nos detalhes. Eu vivo assim. Sou um romântico, afeito a grandes gestos, que olha longe no futuro, mas sempre buscando a precisão e com o gosto pelo detalhe.”

Tharaud está em São Paulo. E, na semana que vem, nos dias 14, 15 e 16, o pianista toca justamente o Concerto de Ravel ao lado da Osesp na Sala São Paulo. Mas sua maratona musical começa já esta semana. Hoje e amanhã, ele toca com a orquestra o Concerto nº 2 para piano de Beethoven (a apresentação de hoje, assim como a do dia 15, será transmitidas ao vivo pelos canais da Osesp em redes sociais). E, no domingo, faz recital solo, com obras de Couperin, Schubert e Rachmaninov.

Por falar em arcos, o dos compositores escolhidos por ele na viagem ao Brasil – a sua quinta – cobre um período de cerca de trezentos anos, do século 17 de Couperin ao século 20 de Ravel. Algo que se tornou constante na trajetória do pianista francês, cujo repertório rejeita qualquer ideia de especialização.

“Sou o primeiro a reconhecer que meu repertório não é grande, mas há nele a busca pela diversidade de estilos”, ele diz, acrescentando também seu interesse pelo diálogo entre essas facetas múltiplas da música clássica. Diálogos que também dão sentido a seus recitais, como no caso da apresentação de domingo

“Há relações claras entre as obras e os autores, acredito. Rachmaninov tinha paixão pelos autores barrocos franceses, como Couperin. E, nas suas Fantasias, ele faz o que Schubert propôs nos Momentos Musicais: são obras escritas para mexer com as pessoas. Nenhum deles estava preocupado em escrever a melhor música do mundo, não havia nenhum sinal de pretensão. Apenas o desejo de emocionar.”

As apresentações da semana que vem de Tharaud estavam previstas para abril de 2020 e foram adiadas por conta da pandemia. Já nos concertos desta semana, em que ele interpreta o segundo concerto de Beethoven sob regência de Thierry Fischer, ele substitui outro pianista, Louis Schwizgebel, que cancelou a viagem ao Brasil.

Com isso, diz, reencontrou uma peça que há um bom tempo não tocava. E que considera injustiçada. “Sempre me chamou atenção o fato de que pianistas não costumam tocar esse concerto”, ela afirma. De fato, o interesse costuma ser maior com relação aos concertos nº 3, nº 4 e nº 5, enquanto os dois primeiros costumam ser tratados como obras de início da carreira, ainda próximas da influência de Haydn e Mozart.

“Bom, e o que há de errado com Haydn e Mozart, não?”, brinca Tharaud. “Seja como for, para mim é uma peça tocante, música realmente profunda. Uma música de liberdade. O segundo movimento é como se fosse uma ária de ópera, tocante da primeira à última nota.”

Tharaud diz estar contente com a chance de voltar a tocar. Ele faz planos para 2021, como gravar os concertos para piano e orquestra de Ravel – a obra para piano solo, ele já registrou para o selo Harmonia Mundi. Ao mesmo tempo, o pianista reflete sobre o momento atual.

“Na França, quando o confinamento foi determinado, em 16 de março, fui para casa. E fiquei muito feliz com isso. Pela primeira vez, eu tinha tempo para uma vida pessoal, sem concertos para fazer, sem aviões para pegar, era como um sonho”, ele conta. Com o tempo, porém, as notícias de mortes, o efeito na vida das pessoas, tudo isso se somou à saudade do ato de tocar em público.

“No verão europeu, foram poucos os concertos, um quadro triste. Em setembro, a temporada recomeçou, com uma sensação de uma nova fase. Mas, em outubro, os teatros fecharam novamente. Sabe, tenho certo dinheiro no banco, não preciso tocar, mas há artistas passando por momentos difíceis, sem um futuro pela frente. Ao menos, temos a esperança da vacina e de que ainda este ano possamos voltar ao palco na Europa. Tocando para um público de verdade.”

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