Mais um ano chega ao final e depois da experiência dos últimos dois, não vamos maldizer o que acaba, tão pouco depositar todas as esperanças no que se inicia. Tomemos esse tempo para reflexões e aprendizados. Atravessamos tempos difíceis de renúncias e perdas, experimentamos situações somente encontradas nos livros de histó-ria ou nos filmes de ficção, a realidade foi dura e cruel.
As pessoas sofrem com dores físicas e mentais e o planeta padece com a degradação promovida pela exploração desenfreada, nas duas situações o próprio ser humano é o maior responsável. Opções políticas e econômicas equivocadas impuseram a proximidade do caos. Na calamidade o ser humano deixa aflorar o que tem de pior e de melhor e aos poucos os povos conheceram quem seus líderes realmente são. A vacinação é um exemplo típico, onde em nome da crença político-ideológica, muitos renunciaram aos princípios científicos elementares e propagaram um movimento de desinformação jamais imaginado. Direta ou indiretamente são responsáveis por milhares de vidas ceifadas.
Neste ano nos despedimos de familiares, amigos, pessoas próximas e também de referências no cenário político, cultural, científico e religioso mundial. A morte por Sars-CoV-2 e outros males se impôs nos recordando a finitude da vida. Assim o que nos resta é colher os ensinamentos dos que nos deixaram e, nesta semana o destaque foi o falecimento de Desmond Tutu, um dos líderes da igreja anglicana na África do Sul que nos ofereceu um testemunho de vida, amor, compaixão e luta pela igualdade. Sua citação mais famosa é muito pertinente ao momento histórico que atravessamos, “Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”. Outra que também deve ser aplicada em nosso cotidiano é “não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”.
Arcebispo emérito sul-africano, Desmond Tutu sonhava ser médico, mas não conseguindo custear os estudos, seguiu a profissão do pai, formando-se professor, depois teólogo. Certamente salvou mais vidas na militância religiosa e política do que faria na medicina. Em 1955 se casou com a professora Nomalizo Leah Shenxane e tiveram quatro filhos: Trevor Thamsanqa, Theresa Thandeka, Naomi Nontombi e Mpho Andrea.
Em seu engajamento pelo fim do regime de segregação racial (Apartheid) não poupou críticas, sequer os próprios religiosos, “Quando os missionários chegaram à África, eles tinham a Bíblia e nós, a terra. Disseram-nos: ‘Vamos rezar’. Fechamos nossos olhos. Quando os abrimos, nós é que estávamos com a Bíblia e eles com a terra”.
Ao longo de seus 90 anos de vida, deixou uma rede de amigos e admiradores que vai desde o ex-presidente Barack Obama ao Dalai Lama. Sua voz ecoou pelo planeta e, para uma sociedade cada vez mais intolerante, ele ensinou que nossa humanidade depende do reconhecimento da humanidade dos outros. Além da intolerância racial, lutou contra a homofobia e a discriminação em relação às pessoas que vivem com HIV, exigindo conscientização e acesso ao tratamento.
Famoso pelo Prêmio Nobel da Paz de 1984, colecionou diversos títulos, prêmios e reconhecimentos internacionais. Após o anúncio de sua morte, as redes sociais foram inundadas por manifestações das mais importantes autoridades e personalidades que se referem a ele como pensador, líder, bússola moral, referência global da esperança, homem de palavra e ação, entre outros.
Desmond Tutu era sereno, sorridente e doce, morreu um dia após a celebração do Natal e foi exemplo vivo dos ensinamentos de Cristo. Sua voz jamais se calará e para os que desejam um ano novo melhor, um exercício interessante seria praticar uma de suas cita-ções, “Faça o seu pouco de bem onde você está; são esses pequenos pedaços de bem juntos que inundam o mundo”.