Por Pedro Ramos
O anúncio do brasileiro Gabriel Medina de que não participará das duas primeiras etapas do Circuito Mundial de Surfe chamou a atenção do mundo do esporte. O surfista desistiu de competir na tradicional etapa de Pipeline e depois na de Sunset Beach para cuidar de sua saúde mental. Especialistas destacam a importância de mais atletas darem a atenção necessária ao tema e buscarem tratamento.
“Um atleta com acompanhamento físico e mental é um atleta em potencial. Com esse preparo, garante sua estabilidade psicológica na condução da vida e do exercício profissional”, avalia o terapeuta Beto Colombo.
Ao anunciar sua desistência, Medina disse estar esgotado ao fim da temporada e revelou ter passado por uma “montanha russa de emoções dentro e fora da águas”. Vitórias e derrotas criam expectativas e cobranças cada vez maiores. A pressão nas competições esportivas e também na vida pessoal podem ser um obstáculo para os atletas de alto rendimento.
Equipes e atletas têm trabalhado com psicólogos esportivos para suporte cotidiano diário, dentro de uma visão multidisciplinar no esporte, embora a profissão ainda busque maior espaço na área Psicólogos esportivos podem trabalhar aspectos emocionais como melhora de foco e atenção, velocidade de reação, treinamento mental, aumento de motivação, dentre outros. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) desenvolve um trabalho de longo prazo com os esportistas do Time Brasil e conta com uma equipe de profissionais de saúde mental formada por dez psicólogos, além de um psiquiatra e um coach.
No ano passado, grandes atletas como a tenista Naomi Osaka e a ginasta Simone Biles revelaram enfrentar problemas de saúde mental. O tema ganhou grande destaque em 2021 e ligou o alerta nos esportes. “Os atletas profissionais não estão livres de desenvolver transtornos mentais. A ansiedade antes de competições e a tristeza após o fracasso numa prova são normais, mas podem evoluir para sintomas ansiosos e depressivos mais marcados que causam prejuízo no rendimento do profissional. Quando um indivíduo chega a desistir de algo para o qual se dedicou a vida toda, há algo de errado”, diz a psiquiatra Lívia Castelo Branco.
Receber apoio de pessoas próximas para tratar da saúde mental é ponto chave para começar a mudança do quadro clínico. A principal patrocinadora de Medina compreendeu a decisão do atleta de não disputar as duas primeiras etapas do Circuito Mundial e disse apoiar o brasileiro para se recuperar totalmente e voltar mais forte.
“Para muitos esportistas campeões mundiais, as pressões de sempre vencer e a preparação para estar sempre em alto nível de rendimento são grandes e tanto a Olimpíada quanto o Circuito Mundial são ambientes difíceis de manter uma constância por muitos anos seguidos. Vimos altos e baixos com muitos dos nossos melhores surfistas campeões mundiais no passado e apoiamos 100% o Gabriel em seu plano de se recuperar integralmente para estar pronto para retornar durante a temporada ainda nesse ano”, disse Neil Ridgway, diretor de marketing da Rip Curl Internacional.
Medina também recebeu o apoio da esposa Yasmin Brunet, que desabafou em uma postagem no Instagram nesta terça-feira sobre os momentos difíceis que o casal passou no ano passado. Yasmin revelou que os dois enfrentaram situações complicadas e de muita pressão, mas destacou a força do marido para conquistar o tricampeonato mundial.
“Ano passado foi um ano muito difícil pra mim e pro Gabriel. Já falei em muitas entrevistas que qualquer outra pessoa no lugar dele não teria conseguido chegar onde ele chegou, na verdade qualquer pessoa no lugar dele não teria nem saído da cama. Eu vi em primeira mão tudo que ele sofreu porque eu sofri junto com ele. Peço também que isso sirva de alerta para que tomem muito cuidado com a saúde mental de vocês. Muitas vezes a gente acha que não tem tempo pra cuidar da gente, e tem gente que ainda acha que isso é frescura”.
“MONTANHA RUSSA DE EMOÇÕES” – O ano de 2021 certamente está marcado na história de Gabriel Medina dentro e fora das águas. Na Olimpíada de Tóquio, era grande esperança de medalha, mas ficou fora do pódio. Na semifinal contra o japonês Kanoa Igarashi, contestou as notas recebidas que o impediram de ir à final.
Medina quase se prejudicou na briga pelo título mundial. O brasileiro não pôde disputar a etapa realizada em Teahupoo, na Polinésia Francesa, porque não havia se vacinado contra a covid-19 e precisava cumprir quarentena de dez dias. O COB chegou a disponibilizar doses do imunizante para todos os atletas que iriam para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. Apesar de não ter participado da etapa, Medina esteve presente nas seguintes edições do Mundial e conquistou o tricampeonato mundial batendo o também brasileiro Filipe Toledo.
“Foi uma temporada de grandes desafios, fui testado várias vezes É difícil passar por essas situações de competição, viagens… Problemas pessoais todo mundo tem. As pessoas criam notícias, gostam de falar, então foi um ano de responsabilidade e amadurecimento do meu lado. Aprendi bastante e continuo aprendendo”, disse ao Estadão em setembro.
No âmbito pessoal, ele enfrentou questões familiares. Rompeu com o padrasto Charles Saldanha, seu técnico desde o início da carreira, e teve grandes desavenças com a mãe Simone. Isso tudo culminou na parada de seu projeto social em Maresias. Por outro lado, contratou o australiano Andy King como seu novo treinador e se reaproximou do pai biológico, Cláudio Ferreira.
Antes da realização da Olimpíada, Medina se envolveu em divergências com o COB. A entidade negou o pedido do atleta para credenciar Yasmin Brunet como membro de sua equipe técnica, o que irritou o casal. O COB justificou a negativa se baseando que só liberaria uma pessoa como acompanhante, em razão das medidas restritivas impostas pelos Jogos Olímpicos devido à pandemia.