Por Ludimila Honorato
O parto teve de ser feito de urgência, ela já estava com oito dedos de dilatação, mas ainda com 24 semanas de gestação. A bolsa amniótica saiu antes, caiu no vaso sanitário após a mulher fazer xixi. Bateu o desespero. “Lembro de alguns flashs”, conta. Eva nasceu de olhos abertos, fez até movimento de choro, mas o som não saiu. Com todos os seus 29 centímetros e 740 gramas, a pequena foi levada para a unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal.
Três anos depois, a analista de sistemas Priscila Lopes, de 31 anos, relembra o quanto foi inesperado viver um parto prematuro. A experiência, apesar de traumática para mães e pais, também lhe trouxe algumas lições. “A gente aprende a ter paciência e a valorizar as pequenas coisas.”
A Organização Mundial da Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirmam que 30 milhões de bebês nascem cedo demais, pequenos demais ou adoecem a cada ano no mundo. No Brasil, o décimo no ranking, estima-se que sejam 300 mil partos prematuros anualmente.
“É um momento muito crítico. Além da desconstrução do bebê idealizado, que viria com 3,5 quilos, iria para o quarto do hospital por uns dias e depois para casa, tem a preocupação com a saúde. Vendo o filho lutando para sobreviver, eles [os pais] se sentem de mãos atadas”, afirma Denise Suguitani, diretora executiva da ONG Prematuridade.com.
São considerados bebês prematuros aqueles que nascem antes das 37 semanas de gestação. Quanto menor a idade gestacional, maiores os riscos de problemas futuros e mais intensos serão os cuidados. Mas o avanço da medicina e, principalmente, da neonatologia permite que esses pequenos guerreiros – porque, sim, eles também lutam pela vida – se desenvolvam da forma mais normal possível.
“Hoje, um bebê nascer com 30, 32 semanas não é tão complicado quanto antes. Trabalhamos exatamente para evitar as sequelas”, diz a neonatologista Edinéia Vaciloto Lima, chefe responsável pela UTI neonatal da Pro Matre Paulista. Ela explica que, a menos que a mulher apresente sinais que indiquem um parto prematuro, não há como prever a situação.
O mais importante, segundo a especialista, é fazer o pré-natal corretamente e acompanhar a gestação. Caso o médico identifique algo que possa levar a um parto prematuro, algumas medidas podem ser adotadas. “Pode-se inibir com internação, repouso, para que o parto seja o menos prematuro possível”, afirma.
A escritora Marina Barbieri, de 32 anos, foi indicada, por exemplo, a inserir uma medicação na vagina para evitar o trabalho de parto. A medida foi recomendada no momento em que ela estava para viajar aos Estados Unidos para se casar. “Fiquei com muito medo de nascer prematuro porque eu fui prematura”, diz Ela tinha alguns fatores de risco: colo do útero curto e início de diabete gestacional.
Ao retornar da viagem, ela notou que a pressão arterial começou a aumentar, problema que nunca teve antes. Os pés e rosto estavam inchados. Um dia, como que por instinto, resolveu ir ao hospital, onde mediram a pressão arterial, coletaram urina para exame e detectaram pré-eclâmpsia, um quadro potencialmente perigoso caracterizado justamente pela hipertensão. Ela foi internada e, no segundo dia, a pressão chegou a 22 por 14. O parto de Francisco tinha de ser naquele momento, em novembro do ano passado, dois meses antes do esperado. “Foi desesperador”, ela define. Ele nasceu às 30 semanas de gestação, com 1,5 quilo e 41 centímetros.
Causas do parto prematuro
O Novembro Roxo é uma campanha que busca discutir a prematuridade, cujo dia mundial é celebrado em 17 de novembro. As causas de uma parto prematuro são multifatoriais. Pode ocorrer devido a doenças prévias na mulher, como pressão alta e diabete, por enfermidades que surgem durante a gestação, como infecção urinária, e gravidez de gêmeos. A idade avançada da mãe também é um dos fatores, mas não determinante. Esses e outros quadros que variam de uma mulher para outra podem levar ao trabalho de parto prematuro e necessidade de uma cesárea precoce
Prematuridade e apoio emocional
Marina e Priscila são exemplos de que a prematuridade independe de todos os cuidados que a mulher tenha. E a ocorrência, definitivamente, não é culpa da mãe. Esse sentimento, de alguma forma, fica no pensamento e no subconsciente dessas mulheres e, por isso também, é importante que elas tenham apoio emocional e psicológico.
“Uma das principais dificuldades relatadas é a falta de apoio psicológico”, diz a diretora da ONG Prematuridade.com, que há cinco anos convive com famílias de prematuros. “A gente sabe que, na maioria dos hospitais, o profissional de psicologia se divide em várias unidades e não consegue dar atenção específica para essas famílias. Mas isso faz toda diferença. Ao chegar na UTI, precisa de preparo, de cuidado humanizado”, afirma Denise.
O atendimento é necessário porque viver dias, meses à espera da melhora do bebê pode ser devastador. A americana Kim Roscoe, cujo filho nasceu três meses antes do esperado, passou quase 190 dias com ele na UTI neonatal. Em entrevista ao The New York Times, ela contou que foi diagnosticada com estresse pós-traumático, doença mental frequentemente associada a sobreviventes de guerra.
Priscila teve o atendimento de uma psicóloga no hospital, mas conta que conversar com outros pais e mães de prematuros foi o que mais lhe ajudou. A rede de apoio familiar, com a mãe e sogra ajudando na rotina da casa para que ela se dedicasse à filha, também foi essencial. Igualmente, Marina valoriza o grupo de apoio mútuo que se forma na UTI neonatal. “Quando aconteceu tudo, me fechei para o mundo exterior, porque ninguém entendia”, diz.
Denise destaca que, nesses momentos, a presença do pai da criança é tão importante quanto a da mãe. “No primeiro momento, ele dá suporte à mãe, que tem de estar tranquila, o mais calma possível, até pela questão do leite. A presença na UTI também é importante, porque o bebê já ouvia a voz dele quando estava na barriga. Ele pode ajudar participando do final da gestação externa, fazendo posição canguru”, explica.
Possíveis consequências do parto prematuro
A neonatologista Ednéia afirma que o número de sequelas e intercorrências para o bebê está diretamente ligado à idade gestacional na hora do nascimento. Uma pesquisa da Prematuridade com, feita com três mil pais, familiares e amigos de bebês prematuros entre outubro de 2016 e junho de 2019, mostrou que a complicação mais comum é motora, com 40,1% dos casos. Em seguida, aparecem os problemas respiratórios (34,4%), a dificuldade visual (21,4%) e as dificuldades nutricionais e alimentares (14,5%).
Medidas também podem ser adotadas para evitar esses problemas, como medicamentos que ajudam no amadurecimento do pulmão do bebê, órgão que é um dos últimos a se formar, e que protegem o sistema neurológico. “Esse bebê também corre risco de hemorragia intracraniana, problema cardíaco, que precisa de intervenção cirúrgica”, elenca Ednéia. Eva, filha de Priscila, teve de fazer uma cirurgia para fechar um canal arterial 18 dias após nascer. Ela pesava 800 gramas.
O leite materno é sempre essencial e ainda mais para o bebê prematuro. A neonatologista explica que o organismo da mulher se adequa e começa a produzir leite após o nascimento do bebê. Priscila conseguiu proporcionar leite para a filha, ainda que pouco, em algumas mamadas, porém Marina, devido ao estresse, sofreu com ausência de leite.
Existe vida após a UTI
Eva passou 120 dias na unidade de terapia intensiva. Francisco ficou 85 dias. Cada dia foi uma batalha, tanto para os bebês quanto para as famílias. Felizmente, eles se desenvolveram bem, cresceram saudáveis e sorridentes.
Priscila teve mais um filho depois disso, o João, que nasceu com 38 semanas de gestação e tem agora sete meses de vida. Marina, que compartilha relatos sobre a experiência em seu perfil no Instagram, está escrevendo um livro para contar a história do filho e dos bebês que viu na UTI.
“O importante é a gente sempre ter na cabeça que aqueles dias vão passar, mesmo que demore um pouco mais. Todo aquele medo, incerteza se transformam em coisa boa, muito bonita, que é ver o filho bem. A gente fica muito orgulhosa”, afirma a escritora.