Adalberto Luque
O deputado federal Alencar Santana (PT-SP) está elaborando um projeto que pretende criar um imposto sobre a propriedade de armas de fogo, nos mesmos moldes do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cobrado anualmente sobre os proprietários de automóveis, com alíquota de 3% do valor de venda do veículo novo ou com até 20 anos de fabricação (depois deste período, o carro fica isento do IPVA).
O Imposto sobre Propriedade de Armas de Fogo (IPAF) poderá arrecadar cerca de R$ 2 bilhões dos proprietários de armas de fogo. Se aprovado, poderia determinar que as armas sejam vistoriadas anualmente pela Polícia Federal (PF) e, em caso de irregularidade, o proprietário poderia ser multado e se tornar alvo de investigação. A alíquota seria de 20%.
Segundo Alencar, a proposta está em elaboração. “Estamos tratando de uma propriedade, que tem controle de circulação, de um bem. Assim como outros bens são tributados, é lógico e justo que esse também seja”, disse.
Apesar de ser autor do projeto, o deputado está dialogando com outros colegas para que também sejam signatários. “O objetivo é justamente que essa arrecadação seja destinada ao programa Paz nas Escolas, para poder garantir recursos e a gente fazer uma promoção da cultura de paz, de maneira constante”, acrescenta.
“O [ex] presidente [Jair] Bolsonaro incentivou, desregulamentou, flexibilizou, facilitou acesso, porte e, de uma certa maneira, fragilizou a fiscalização, onde o Brasil teve um crescimento exponencial das pessoas que têm acesso a armas, que acaba fomentando um número de mortes no País, inclusive, domésticas. Veja situações que estamos vivendo”, observou o parlamentar.
Redução menor da taxa de mortalidade
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apesar das chamadas medidas de flexibilização ao porte e posse de armas de fogo registradas durante o Governo Bolsonaro (2018-2022), o número de mortes causadas por disparos caiu no período.
De acordo com a organização, a violência letal registrou recorde histórico em 2017, quando mais de 64 mil pessoas foram assassinadas e a taxa de mortalidade chegou a 30,9 por grupo de 100 mil habitantes. Portanto, no período em que estavam em vigor medidas restritivas adotadas após a publicação do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, na primeira passagem de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Palácio do Planalto.
Em 2022 o País apresentou grande redução, registrando 40,8 mil assassinatos, o menor número da série histórica do FBSP, desde 2007, quando passou a ser realizado. Contudo, o órgão explica que elaborou análise mais detalhada e deduziu que os resultados robustos indicaram que quanto maior a difusão de arma de fogo, maior a taxa de homicídios.
“Ou seja, o aumento da difusão de armas terminou por impedir, ou frear uma queda ainda maior das mortes. No caso dos latrocínios os efeitos também foram diretamente proporcionais e marginalmente mais fortes. Por fim, não encontramos relação estatisticamente significativa entre a disponibilidade de armas e outros crimes contra a propriedade, o que evidencia a falácia do argumento armamentista, segundo o qual a difusão de armas faria diminuir o crime contra a propriedade”, concluiu o estudo divulgado pelo FBSP.
O professor e analista de cursos Eduardo Theodoro, acredita que o afrouxamento no Estatuto do Desarmamento aconteceu porque o ex-presidente Bolsonaro teria recebido forte apoio da indústria de armas na sua campanha.
“Eu, particularmente, sou contra, pois permite a aquisição de armas por pessoas que têm represado em si desejos de utilização dessas armas, de forma ilícita, apesar de ‘liberadas’ pelo governo. Tenho a convicção que a liberação da posse contribuiu com os acontecimentos nas escolas, por exemplo”, explica Theodoro, que apoia totalmente o projeto de Alencar.
“Além dessa medida, acredito que a não aprovação de novas concessões, diminuiria consideravelmente o número de armas em circulação”, finaliza.
Grande absurdo
Para o deputado federal e presidente da Associação Nacional Movimento Pró Armas, Marcos Sborowski Pollon (PL-MS), o projeto de Alencar é uma forma de inibir o crescimento do mercado, perseguir e destruir totalmente um segmento, o que esbarra na limitação constitucional.
“Um imposto de 20% sobre a propriedade, com incidência anual implica, num período de cinco anos, você ter que fazer a recompra de seu equipamento. Isso é um grande absurdo que deve ser impedido aqui no Congresso”, garante Sollon, que acrescenta: “há um vício de constitucionalidade, porque tem efeito confiscatório, sem contar que se trata de Lei Complementar que envolve quórum qualificado e, em se tratando de processo legislativo, se não seguir o trâmite constitucional específico de tramitação da Lei Complementar, tem vício formal na tramitação do projeto, além do vício material que é o efeito confiscatório do tributo, Artigo 150 da Constituição Federal.”
O deputado lembra a experiência que considera trágica, com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Esses tributos com destinação específica nunca recebem o endereçamento do recurso para onde se propôs encaminhá-lo. Então creio que é muito difícil aprovar esse tipo de projeto aqui”.
Sobre a análise do FBSP, Sollon é direto. “Não sou eu que discordo. Quem discorda disso são os números. Os dados do DataSus de 2019 até 2022 apontam que o aumento do número de armas legais impactou na redução drástica no número de homicídios. É a maior redução da história”, encerra.
Mentira digna de nota
O professor universitário André Minto, que é Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) desde 2018 considera absurda a criação do novo imposto. “A maior mentira – esse é o termo – digna de nota é tentar imputar na cabeça da sociedade que, as armas de criminosos provêm dos CACs, como se criminosos resolvessem, de uma hora para outra, comprar armas com 65% de imposto ou mais. Além do mais, armas legais que vão parar nas mãos de criminosos, não chegam a 1% do total”, analisa.
Para ele, a medida do PT seria mais uma falácia para elevar a arrecadação do governo atual, uma vez que existem muitas armas legalizadas em circulação. “O número exato é de conhecimento dos dois órgãos fiscalizadores: o SIGMA, vinculado ao Exército e o SINARM, vinculado à Polícia Federal. Quando se fala em segurança pública, querer controlar o número de proprietários legais, bem como, o número de armas nas mãos desses, criando novos impostos, é como tentar preencher uma garrafa com o funil ao contrário, ou construir uma casa iniciando pela pintura”, acrescenta Minto.
Ele adverte que isso poderá esvaziar um setor que geraria mais de 3 milhões de empregos formais, diretos e indiretos. Ele cita dois pontos fundamentais que envolvem o porte de arma. “O CAC é um cidadão que passou por um processo extenso para obter seu registro e se enquadrar nas categorias de atirador desportivo colecionador ou caçador. Esse processo envolve registro em clube de tiro credenciado, exame psicológico, exame teórico e exame prático com profissionais também credenciados. Só depois da obtenção do CR (Certificado de Registro), emitido pelo exército, ele terá direito à aquisição de uma arma. O tempo decorrido até a aquisição do armamento gira em torno de oito a 12 meses, em condições normais”, explica.
Desta forma, o CAC só tem direito à posse da arma e ela teria que estar guardada em local seguro e só poderá sair com a arma para se dirigir a local de treino e competição. “Porte de arma só é permitido para civis em condições muito específicas estabelecidas pela lei, que fala em casos de ‘extrema e real necessidade comprovada’, e emitido pela Polícia Federal. Portanto, não existe porte de arma para CACs, e tampouco para o cidadão de bem e que anda dentro da lei. Observamos a grande mídia, autoridades em geral e até juízes, invertendo a situação, às vezes propositalmente, tratando posse e porte como coisa única”, diz.
Para Minto, quando se fala em proteção do cidadão por meio de armas legais, há a ideia de que o cidadão vá partir para o ataque como num filme de velho oeste. A criminalidade reduziu consideravelmente nos últimos quatro anos, em parte pelo caráter preventivo, em se saber que, em determinado lugar, pode ter alguém armado e que poderá reagir à injusta ameaça. Alguém já teve notícias nos últimos anos de que bandidos atacaram um clube de tiro? Uma base operacional policial? Um quartel? Um local de treinamento militar? Claro que não. Eles atacam escolas, creches, cinemas, shoppings, parques onde o caráter preventivo não se faz presente.
Crimes acontecem sempre por ação de criminosos. Esses não seguem a lei, portam armas sem constrangimento, possuem ‘extensas capivaras’, são protegidos por discursos políticos infames onde são vitimizados e, o cidadão de bem e até forças policiais, ao reagirem, são ‘criminalizadas’ ferozmente. Esse é o cenário atual, e não vemos a mesma ferocidade e empenho nas políticas de segurança pública”, arremata Minto. Como tudo o que envolve armar ou desarmar a população, a discussão será longa.