Rayssa Motta e
Fausto Macedo (AE)
O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) está entre os alvos da Operação Vigilância Aproximada, deflagrada nesta quinta-feira, 25 de janeiro, pela Polícia Federal, para investigar organização criminosa que teria se instalado na Abin para monitorar ilegalmente autoridades, jornalistas e políticos.
Esse monitoramento teria sido feito sem autorização judicial, por meio da ferramenta First Mile, utilizada para geolocalização de dispositivos móveis. Delegado da Polícia Federal, Ramagem foi nomeado diretor-geral da Abin em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele deixou o cargo em março de 2022.
A Polícia Federal encontrou registros de que a Abin tentou produzir provas que relacionassem ministros do Supremo Tribunal Federal e deputados federais de oposição ao governo Bolsonaro ao Primeiro Comando da Capital (PCC). A informação consta em relatório enviado ao STF para pedir buscas em endereços ligados a Ramagem.
“As ações apresentaram viés político de grave ordem representando mais um evento de instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência”, defende a PF. O documento afirma ainda que houve uma tentativa de “criar fato desapegado da realidade” para associar parlamentares e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, à organização criminosa. As notícias falsas circularam em grupos bolsonaristas.
Ramagem é investigado porque, segundo a PF, teria autorizado investigações paralelas, sem autorização judicial e sem indícios mínimos de materialidade que justificassem as apurações. Procurado pela reportagem, ele ainda não havia se manifestado até a publicação deste texto.
A PF pediu que Ramagem fosse afastado do mandato enquanto investiga se ele usou a estrutura da instituição para atender a interesses pessoais e políticos de Bolsonaro. O pedido, no entanto, foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator do caso.
Ao defender o afastamento do deputado, a PF afirmou que a agência, sob a gestão de Ramagem, “estava a serviço, em verdade, do extrato político nacional”. Para os investigadores, a instituição foi loteada com aliados do governo, que formariam uma “estrutura paralela”. O deputado teria “incentivado e acobertado” o suposto esquema de arapongagem. Ele não se manifestou.
Caso Marielle Franco – A Polícia Federal também encontrou documentos que indicam que o sistema de inteligência da Abin foi usado indevidamente para monitorar uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro que investigou o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Os documentos sobre a promotora teriam a mesma identidade visual de relatórios apócrifos produzidos pela “estrutura paralela” que, segundo a PF, teria sido montada na Abin. A investigação foi aberta depois que a PF descobriu que a Abin usou o software First Mile para monitorar adversários políticos de Bolsonaro.
A lista inclui o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o ministro da Educação, Camilo Santana, governadores e parlamentares de oposição ao ex-presidente, como a ex-deputada Joice Hasselmann, e ministros do Supremo Tribunal Federal.
O programa não permite o grampo de mensagens e ligações, mas dá acesso à geolocalização em tempo real e a dados pessoais registrados junto a operadoras de telefonia. A capacidade de monitoramentos simultâneos do programa ainda é investigada. O sistema espião teria sido usado mais de 60 mil vezes pela Abin entre fevereiro de 2019 e abril de 2021, segundo a PF.
Ataques ao TSE – A Polícia Federal afirma ainda que a estrutura paralela da Abin foi politizada e promoveu “ações de inteligência” para atacar as urnas eletrônicas. “O evento relacionado aos ataques às urnas, portanto, reforça a realização de ações de inteligência sem os artefatos motivadores, bem como acentuado viés político em desatenção aos fins institucionais da Abin”, diz a PF.
Produção de provas – A PF afirma que servidores da Abin produziram informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação das “rachadinhas” e Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro. O senador nega ter sido favorecido.
“É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida. Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro. Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia”, disse Flávio Bolsonaro.