Adriana Cristofoli – Especial Tribuna Ribeirão
Quando se fala em dependência química, normalmente nossas atenções vão para a pessoa usuária de substâncias que alteram a consciência. Está claro que esta pessoa está doente e precisa de ajuda. Mas o dependente químico adoece também a família dele, alterando toda a rotina de quem está ao seu redor.
Alguns estudos na área de saúde indicam que os familiares têm dificuldade em lidar com desaparecimentos esporádicos e dizem sentir impotência, ódio, vergonha, dó, medo de agressão e, em alguns casos, se sentem humilhados.
Além disso, os familiares se sentem vulneráveis diante da situação do ente viciado em drogas. Em outros casos se dizem desamparados e frustrados. Quanto aos tratamentos, é comum o familiar não ter esperanças em resultados.
Rede de apoio
Ouvido pelo Tribuna Ribeirão, o psicólogo Felipe Areco ressaltou que quando falamos na dependência química é muito importante lembrar que é um momento muito delicado na vida da pessoa.
“Por mais que saibamos e o próprio nome já está deixando claro que é uma dependência, é muito importante que a gente entenda como é a história de vida dessa pessoa, como foi experienciar o acesso a tudo isso”, detalha Areco.
Para Areco, um termo bem adequado a ser usado, quando falarmos em ajuda aos dependentes, é a rede de apoio, que pode ir além da família.
Segundo ele, é sabido que existe a possibilidade de um alto risco de pessoas da família também adoecerem durante um processo de adoecimento vivenciado. “A rede apoio, não necessariamente é só a família, mas pessoas e amigos próximos. A gente acaba percebendo que algumas dessas pessoas da rede de apoio, acabam tomando a frente nos cuidados”, diz.
“Essas redes de apoio precisam ter uma comunicação entre elas, isso é primordial. Porque se essa comunicação não existe ou é falha, todo o percurso se torna mais difícil na recuperação do ente querido”, salienta Areco.
O psicólogo ainda alerta que se uma pessoa dessa rede de apoio percebe que existe uma sobrecarga, e/ou uma exaustão, se faz necessário um processo de acompanhamento psicológico. “Como exemplo, podemos citar pais, irmãos e amigos, se um percebe que o outro está exausto, é importante alertá-lo da necessidade de ajuda psicológica e se for preciso também avaliação médica”, orienta.
Negação
Muitas famílias negam num primeiro momento o vício de um ente querido, ou amigo, o que na maioria das vezes agrava a situação. Em casos de dependência a rapidez no diagnóstico é fundamental. Vários estudos demonstram que a negação, a vergonha, o preconceito só atrapalham e atrasam o tratamento. Esta conduta também gera uma enorme solidão, pois compartilhar um problema ajuda, inclusive na condução dele. Quando bem orientados os familiares têm mais condições de evitar as recaídas que os dependentes químicos normalmente têm.
Relato de um ex-dependente
Ricardo Azevedo de Abreu, autor do livro Três Dias e Meio a Saga – relato real de um dependente químico, entende e auxilia muito as pessoas quando o assunto é o vício. Para ele, o apoio da família é sem dúvida nenhuma fundamental.
“No meu caso, minha família sempre me ajudou, principalmente minha irmã, ela sempre me apoiou, foi ela quase que na sua totalidade, pagou todas as minhas internações, nunca desistiu de mim”, afirma o escritor em entrevista ao Tribuna Ribeirão.
Ele explica que vinha lutando contra a dependência química de modo abusivo, que é diferente do uso esporádico. “A gente conhece a droga, gosta e vai usando esporadicamente e essa tolerância vai aumentando, que é o espaço de tempo de uso”, detalha.
Ricardo foi internado a primeira vez em 2012. A última internação aconteceu em 2017. “Em todas essas vezes minha irmã me apoiou, me ajudou”. Por mais que ele estivesse alterado pelo uso abusivo das drogas ele percebia que poderia sim, estar adoecendo a família. “O dependente químico perde toda a consciência, valores, princípios, caráter…. tudo isso é enterrado”, afirma.
Para Ricardo quem precisa usar uma substância todos os dias é viciado “Aquelas pessoas que bebem todos os dias são alcóolatras, a maconha, a mesma coisa, a cocaína idem, crack também. Só que o viciado acha que pode parar quando quiser. Essa é a grande mentira que todo dependente químico tem como hábito”, descreve.
Ricardo gosta de afirmar que está falando especificamente de seu caso, cada pessoa tem uma história para contar. Mas a família dele deu sempre muito amor, amparo e acolhimento. “Demora muito para perceber que estamos adoecendo também a família, pois quando o dependente consome de modo abusivo ele se torna totalmente egoísta e vitimista.
Amigos
“Você conta em uma mão e sobram dedos”, diz, ao referir sobre os amigos. O ex-dependente fala que quando esteve internado nenhum amigo foi visitá-lo e a maioria das pessoas que ele conviveu nestes lugares tinha a mesma queixa.
Segundo ele, de cada 100 pessoas que se internam, duas ou três seguem sóbrias. “No restante, todos têm recaída, voltam ao uso, se internam, depois saem, internam, saem…que eu chamo de ciclo infernal”, finaliza Ricardo, afirmando estar orgulhoso que está há sete anos sem nenhuma substância que altere sua consciência.
A importância do fortalecimento dos vínculos familiares
Relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) revela um aumento significativo no consumo de drogas em todo o mundo. Em 2020, cerca 284 milhões de pessoas, com idades entre 15 e 64 anos, fizeram uso de substâncias psicoativas, um aumento de 26% em relação a uma década atrás.
Os dados são, também, preocupantes no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, somente em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 400,3 mil atendimentos a indivíduos com transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de drogas e álcool. A maioria desses pacientes é do sexo masculino, com idades entre 25 e 29 anos.
Países como Portugal, Holanda e Suíça implementaram uma abordagem abrangente que vai além da criminalização. Seus focos foram o apoio e tratamento adequados aos dependentes. Assim, eles conseguiram reduzir os danos associados ao uso de drogas e promover uma maior integração social dos indivíduos afetados.
Para o secretário de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, Gilberto Nascimento, um dos pontos cruciais dessa luta é o fortalecimento dos vínculos familiares. “A família é um pilar de apoio emocional e social, pois ajuda a estabelecer um ambiente de suporte e compreensão, promovendo a motivação e o engajamento do dependente na busca da sobriedade”, observa o secretário.
Uma família unida e coesa é fundamental para diminuir o sentimento de isolamento e culpa que muitas vezes acompanha a dependência. “Ela ajuda a prevenir o uso de drogas e a reduzir recaídas no vício”, fala Gilberto.
Espaço Prevenir
O Espaço Prevenir, novo equipamento da atual gestão do estado de São Paulo, é voltado para famílias de dependentes químicos e para aqueles que completaram ou estão em fase final de tratamento. O atendimento é feito com as portas abertas e possui capacidade para receber até 200 pessoas por mês. O investimento anual é de R$ 600 mil. A primeira unidade inaugurada foi inaugurada em São José dos Campos e até o final do ano o Espaço chegará em Ribeirão Preto, mas ainda sem uma data definida.
O Espaço funcionará de terça à sábado, das 12h às 21h, em uma casa onde receberão um acolhimento psicoemocional através de profissionais como psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Os atendimentos serão individuais, com orientações e encaminhamentos, além de terapia em grupo e atividades de convivência social.