A democracia é a utopia cuja sedução é a igualdade e fraternidade e a justiça, que na sociedade dos homens e das mulheres, representa uma força de imantação.
Em qualquer fase em que a experiência democrática se encontre ela é sempre inacabada, porque seu caminhar desperta mais consciências e novos direitos nascem para ela mesma corresponder. E nascem outros. A evolução é dialética.
O seu conceito revelado em cada instante de sua evolução civilizatória, e com sua natureza de utopia, ele tem em si o que há de melhor e de pior no espírito de cada ser humano.
Assim não se deve estranhar quando o sentimento do ódio se ergue, a qualquer custo e preço, contra a democracia, já que o ódio está dentro dela, como vírus.
Desde sempre a democracia soube que o ódio surge dentro dela mesma, liderado por quem não consegue conviver com sua vocação atemporal, já que para ela o tempo todo deve ser tempo de democracia, ou seja, tempo de fraternidade, igualdade e justiça.
É dentro da democracia que se alimenta o ódio animado sempre pelos donos dos privilégios, e que temem perdê-los, ou por ignorância, ou por vinculação doentia em bens materiais, tidos por imperdíveis.
O respeito, que a democracia impõe com sua força magnética, é tão grande que os seus detratores e seus inimigos, não têm coragem moral ou política de se confessarem como seus inimigos. A sua pregação discursiva é sempre para salvar a democracia, dizendo em nome da pátria e da família, e de lambuja trazem o nome de Deus, como se pudesse ser ele coautor da falsidade e da mentira, da tortura, da violência pessoal e institucional. Ou o coautor que concorre a alguma eleição.
A natureza humana é enigmática quando não tolera que a pessoa, ou um estamento ou categoria social, possa se aproximar, na escala social, de pessoas iguais, mas desvalorizadas, por nascimento ou situação econômica ou cor da pele.
Pior do que a pessoa ou um grupo de pessoas ou uma classe social que repudia pessoa ou grupo de pessoas ou uma classe social, é quando o repúdio se revela por intoxicação de mensagens odientas, discriminatórias, geradas aos borbotões, não mais de boca a boca, ou pela via da rádio e das televisões, que também difundem, mas atualmente são os algoritmos que concentram o poder gerador dos borbotões de falsidades.
Dentro da democracia essas mesmas mensagens de ódio, utilizadas para empolgar o Poder Político, trazem a contradição de quererem destruí-la pelo uso das garantias que a própria democracia garante às pessoas.
Cada pessoa, cada instituição, tem seu limite na democracia. Se a tolerância democrática é expressa pelo limite da lei, o inimigo dela não tolera o limite. O exemplo clássico do abuso é a invocação da garantia da liberdade de expressão, para adjetivar negativamente pessoas e instituições fundantes da democracia atual. O limite da democracia pode ser traduzido pelo respeito ao outro.
O ódio, em tempo de ódio, como que bloqueia a sensibilidade, tranca o ouvido e coloca uma venda nos olhos da razão, para deixar frouxo o sentimento que se converte em fanatismo, cujo conteúdo é salvacionista, em nome de qualquer mentira. Ora se dizem autores de um contragolpe face a um golpe, objetivamente, fantasmagórico. Ora se dizem contra a corrupção, como todos somos, mas para isso já aceitaram a base criada pela fonte da intoxicação pelas mentiras, atacando não só pessoas, em forma de repetição mecânica, mas também símbolos e estrutura que pertencem à raiz da vida democrática.
A democracia tem em si esse vírus, que pode ser mortal, se a pregação do ódio alcançar sucesso, sempre temporário, ainda que seu tempo seja longo. Mas a saúde dela pode ficar fortalecida se souber neutralizar sua existência e propagação.
O ódio sataniza pessoas e instituições para tentar converter seus inimigos em donos da noite e do dia, aterrizando, torturando, matando fisicamente ou pela destruição de reputações. Até usa da crendice de fieis para fanatizá-los no liquidificar da religião e da política.
A democracia assim sofre de surto de corrupção liderado pelo ódio, e a história do Brasil registra o golpe nas instituições quando existe avanços sociais concretos, ainda e só pacíficos. Na verdade, o ódio não desiste, pois, depois de cumprida sua missão ele é colocado no armário, para ser arrastado, em outro momento histórico, por golpistas de toda laia. O ódio tem sua sustentação nos privilégios de pessoas ou classes, que invocam o divino como fonte de sua doação.
Outro surto do ódio invoca esse tóxico eficaz que se chama comunismo, e seus crentes nem perguntam o que é comunismo, nem perguntam qual a experiência triste e perversa da ditadura no Brasil, e nem perguntam: cadê o comunismo vociferado por mim e que ainda não deu as caras?
A democracia, que tem dentro de si o vírus de sua destruição, combalida ou derrotada sempre anima a luta dos que acreditam nela e por ela combatem, e sempre ela vencerá.