Em decisão recente um juiz da comarca de Itápolis/SP, julgou procedente pedido de reconhecimento judicial de vínculo de filiação socioafetiva a um padrasto, sem exclusão da paternidade biológica. Com isso, a autora da ação judicial passa a ter dupla filiação, também denominada multiparentalidade.
Ou seja, a autora da ação já tinha registrado em sua certidão de nascimento o nome de seu pai biológico, mas, além desse, também conquistou o direito de ter registrado em sua certidão de nascimento o nome de seu padrasto, que cuidou dela a partir de determinado momento da vida de ambos.
Os pais biológicos da autora da ação judicial moravam em outras cidades e, por razões profissionais, a deixavam sob os cuidados da avó materna, que ficou responsável pela sua criação. A convivência da filha com o pai e a mãe se tornou rara após esse fato.
Sobreveio o falecimento do pai da autora da ação, e com isso mãe e filha restabeleceram os vínculos de convivência, tendo o padrasto assumido a posição de pai, dispensando auxílio material, moral e afetivo à enteada.
Nessa nova vida, a autora passou a ter mais uma pessoa que cuidou dela como filha, tal qual como um pai faz. O pai biológico cuidou dela enquanto viveu, e o padrasto passou a cuidar dela após o falecimento do pai biológico. Não houve abandono, ao contrário, houve uma sucessão de paternidades.
Numa situação dessa, quem é o pai, mais pai ou menos pai?
Quem pode responder isso é a própria filha/enteada. E só ela. O Estado não tem como responder à essa pergunta e querer dizer o que é o certo, sobretudo, querer dizer onde existiu amor ou onde não existiu amor. É uma situação que não deveria ter que passar pelo crivo do Estado para que o Estado defina o que é e o que não é. Quem pode dizer isso é só a filha ou enteada, e o fato poderia se dar mediante simples autodeclaração das pessoas envolvidas no próprio cartório de registro civil.
Ter que fazer uma ação judicial para ver um terceiro dizer a uma filha ou enteada se seu pai ou padrasto foi pai mesmo, é transformar sentimento em formalidade e burocratizá-lo. Não se burocratiza sentimentos, vive-os. E só quem pode dizer se o sentimento existiu é quem o sentiu.
E até parece que estamos falando de algo novo, inédito. Oras, não foi assim com o próprio Jesus, mestre de muitas pessoas?
Jesus, conforme consta na história, era filho de uma virgem, concebido por um Espírito Santo. Maria, sua mãe, vivia com um carpinteiro, José, que se tornou o segundo pai do menino.
E José, não podia, então, ser pai de Jesus? Jesus, Maria e José não podiam ser chamados de família?