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De sua fazenda no Rio, Lenny Kravitz fala dos seus 30 anos de carreira

Por Guilherme Sobota

Há algumas semanas, o americano de 54 anos estava ensaiando com sua banda e “sendo criativo”, como ele mesmo explicou em entrevista por telefone desde sua propriedade no município de Duas Barras, interior do Rio. “A fazenda é linda. Eu amo a natureza. É gloriosa. Eu me apaixonei pelo Brasil quando toquei aqui há uns 10 anos. Fiquei procurando, aprendendo sobre a terra, e acabei com uma ‘fazenda’”, diz, sublinhando a última palavra em português. “Não estive aqui por algum tempo, mas da última vez foram seis meses. É uma maneira de mergulhar na vida daqui. Vou passar mais tempo por aqui, tenho certeza.”

A ligação de Kravitz com o Brasil vem de antes disso. Seus pais eram conectados ao mundo da arte: sua mãe, Roxie Roker, era estrela de TV, e o pai, Sy Kravitz, trabalhava na NBC e como produtor de eventos – nomes como Miles Davis, Duke Ellington e Sarah Vaughan apareciam em sua casa quando ele era criança, bem como escritores como Maya Angelou e Nikki Giovanni. Mas a coleção de discos ali também ia além e chegava à canção brasileira.

“Eu sempre amei a estética desse país. Mesmo quando era criança, ouvindo os discos de bossa nova dos meus pais. Lembro de ficar sensibilizado pelo tipo de ambiente que a música criava, tão específico. É uma influência, certamente.”

O ambiente movimentado da casa nos anos 1970 também deixou marcas profundas no garoto que se transformaria em pop star. “Meu pai era um aficionado pelo jazz, e muito bem conectado nesse mundo. Então, claro que a bossa nova seria algo para ele. Quando os artistas começaram a ir para os Estados Unidos e se misturar com os artistas de lá, como Tom Jobim e Frank Sinatra, isso ajudou o gênero a se tornar mais popular.”

Kravitz, que chegou a ficar noivo da top model baiana Adriana Lima, no começo dos anos 2000, lembra um encontro marcante com outro baiano, Caetano Veloso, mas diz que não gosta de ficar “jogando nomes por aí”.

Em 2019, o artista comemora 30 anos do lançamento do seu primeiro álbum, Let Love Rule – o disco saiu pela Virgin Records após um leilão em que cinco grandes gravadoras brigaram pelo trabalho. Na época, o músico gravou todos os instrumentos, bem como em Raise Vibration, seu 11.º disco de estúdio, lançado em setembro de 2018. Craig Ross, um parceiro de longa data, o acompanhou no processo. Desde seu último show aqui, Kravitz produziu e lançou Strut, de 2014.

“Eu ainda fico muito orgulhoso quando penso no passado. Acho que Let Love Rule é mais relevante agora do que quando saiu, por conta do mundo em que estamos vivendo e do quão longe daquele mundo nós parecemos ter nos movido nos últimos 30 anos. Eu pensava que estaríamos num lugar muito diferente agora, num lugar muito mais avançado. Nós, seres humanos, não aprendemos a dividir esse planeta, a trabalhar juntos por um propósito em comum. Nós deixamos nossas diferenças nos separar, o que é bastante trágico. Sempre haverá diferenças, mas deveríamos entender isso. Eu deixo você ser você, você deixa eu ser eu, mas nós dividimos o planeta e isso vem primeiro. Nosso bem-estar, nossa saúde, nosso ambiente. A mensagem de Let Love Rule, bem como a de Marvin Gaye em What’s Going On, ou do Sly & The Family Stone com There’s a Riot Goin’ On, ou dos Beatles em All You Need Is Love, isso é tudo música que vem de um lugar que é mais relevante agora, conforme vamos vivendo”, reflete o músico.

O single Let Love Rule, o primeiro do disco, já trazia a mensagem de positividade que marca a trajetória do músico: “Temos de deixar o amor governar”, pede, no refrão, numa balada que traz influências que trazia de casa, do soul ao rock, passando pelo reggae, na confluência do que ficou marcado nos últimos 30 anos como um som particular no mundo pop.

A abordagem do novo trabalho, explica, é similar às primeiras investidas na música. “Sempre sou pela inspiração, pela criação do espírito criativo que me empurra na direção que devo ir. No caso de Raise Vibration, fiz isso: esperei pela inspiração. Esse álbum me foi dado numa sucessão de sonhos. Eu sonhei o disco todo.” Ele conta que quando acordava, anotava em um papel, gravava no aplicativo do celular ou ia no meio da noite ao estúdio em sua casa nas Bahamas, onde estava, registrar uma primeira versão. “Como fiz antes, toquei todos os instrumentos e produzi.”

É interessante notar como a postura ativa das músicas (que pedem “vibrações” mais positivas) contrasta com a atitude passiva do compositor. “Eu sento e aceito. É fácil se questionar no sentido de: ‘É isso mesmo que tenho de fazer?’ Acho que sou bom em aceitar o que vem, e isso é por que os álbuns são todos diferentes, cada um tem seu espaço, sua expressão. Porque aceito o que eles são e nunca tento repetir o que fiz antes.”

Mas ele tem, claro, um método, que passa pelo uso de equipamento vintage e, às vezes, sistemas de gravação analógicos. “Soa melhor. Uso tecnologias novas também, é claro, mas diria que 95% faço com equipamento analógico.” Os vinis são, é possível adivinhar, sua forma preferida de ouvir música. “Acordo de manhã e coloco um vinil para tocar. Eu amo isso”, descreve. Diz também ouvir na Apple Music e no Spotify, mas é fácil entender que a plataforma preferida envolve o disco e a agulha.

Tudo isso resulta no disco Raise Vibration – a turnê começou ainda antes do lançamento, e agora depois da América do Sul ela segue com dezenas de datas pela Europa. O álbum, fincado no estilo de Kravitz, a fusão de soul, rock, funk e pop, foi recebido pela crítica com ressalvas – a maior parte delas falando sobre a resistência do músico em atualizar seu som.

Quando questionado sobre a necessidade de ceder a tendências, porém, ele rebate. “Eu não estou tentando me manter atualizado com tendências. Meu trabalho é traduzir as canções da minha cabeça e do meu espírito para a gravação. Se tiver de usar algum estilo ou som, vou usar, qualquer um que atinja e transmita a personalidade da canção. Estou aberto a todas as coisas. Uso drum machine no disco, a 808, sintetizadores, tem todo tipo de instrumento. Mas para mim são apenas cores, tintas, que aplico para ter o que desejava”, lembra ainda.

O resultado o faz sentir-se bem, mesmo que antes do lançamento ele tivesse admitido que havia tido incertezas sobre fazer o disco. A maré agora virou, afirma. Ele já trabalha em um outro álbum, mais inserido no contexto do funk, que inclui parcerias com o falecido Allen Toussaint e George Clinton. Lenny ainda não diz se o novo trabalho estará ligado a um projeto cinematográfico, conforme os rumores. Havia também a possibilidade de ele participar da série Big Little Lies, interpretando o pai da personagem vivida por sua filha, Zoë Kravitz, mas esse também era só outro boato.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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