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Das nuvens na política e das trovoadas com granizo na economia

Li este artigo recentemente e tomei a liberdade de ligar para o autor, Stefan Salej, ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), consultor internacional, empresário e cientista político para cumprimentá-lo pela bela reflexão que fez e dizer que gostaria de compartilhá-lo. Bate­mos um papo rápido e disse a ele que ano passado também fiz uma analogia às nuvens em um artigo sobre o cenário político e econômico na ocasião, mas em um contexto total­mente diferente. Isso mostra que as “nuvens”, tanto em seu sentido denotativo como conotativo, são ideais para ajudar a gente a entender, ou pelo menos tentar entender, o que é difícil explicar. Será que são só as águas de março fechando o verão? A resposta pode ser encontrada no artigo de Salej (cuja família testemunhou as mudanças na Iugoslávia) que segue abaixo na íntegra, sob o título que está acima. Boa leitura.

“Dizem os políticos mineiros que a política é como as nuvens: você olha agora e vê um céu coberto de nuvens, daí a pouco está tudo claro. Na política, a percepção do fato é diferente da percepção do mesmo fato na economia. E no Brasil, onde temos uma economia muito dependente do exercício da política em diversos níveis e em especial na área governamental, pode-se dizer com tranquilidade que os políticos fazem nuvens, ficam nas nuvens, mas o que cai das nuvens, até neve já temos, cai na cabeça do povo, e se chama economia.

A máxima de que o mundo está perturbado e comple­xo é de uma simplicidade ímpar. O mundo sempre foi com­plexo e nós fazemos parte dele. Mas a definição de mundo se resume, para nós que estamos no Brasil, ao Brasil. Neste exato momento, no mundo da economia, todo mundo quer saber qual o prumo e qual o rumo que os políticos, seja o congresso ou o governo, vão imprimir ao país. E aí algu­mas versões estão ficando claras ao ponto de todo mundo ficar ainda mais confuso.

Primeiro, que as políticas sociais são a base de toda a ação econômica do governo. Ou seja, bolsa família, au­mento de salário mínimo, minha casa, minha vida e mais alguns programas nessas linhas serão suficientes para fazer o país crescer.

Em segundo lugar, que a governabilidade está acima de tudo porque sem ela o governo pode cair. Então, para se manter no governo e conseguir seus objetivos, o custo não importa. O fatiamento da gestão entre vários atores políticos, tão diversos nas suas crenças e valores, mas todos unidos em usufruir do poder, pode facilitar a coalizão política, mas enfraquece totalmente os resultados na governabilidade econômica. As lideranças políticas cuidam da gestão de seus interesses e não dos projetos que levam ao desenvolvimento.

Não há também definição clara nem de objetivos e nem de táticas a serem implementadas. Cada um faz o que quer, do jeito que quer. O exemplo mais eclatante disso é o do criador de cavalos no Ministério de Comunicações, uma área fundamental no desenvolvimento. Desde que contribua para a governabilidade, pode fazer o que quiser, inclusive não fazer nada, que desenvolve o país.

O próximo item é a reforma tributária. Um esforço gigantesco que tem que ser feito. Absolutamente normal que os interesses sejam diversos e adversos. Mas, tem que ter uma batuta que ponha ordem nesses interesses, em especial na área empresarial. E aí, pela experiência anterior, todos olham para o seu bolso e ninguém olha para o bem comum. Nesse tipo de processo não há como só ter derrotados ou só vence­dores.

Todos perdem um pouco, para todos ganharem muito. E aí o governo não pode gastar capital político agora com assuntos menores porque vai precisar dele para a negociação final. E no meio das entidades empresariais não há só diver­gência sobre temas fiscais, há forte presença de populismo bolsonarista. É só lembrar a adesão da entidade empresarial industrial mineira com promessa de um ministério.

Há certa inquietação quanto à cobertura que o governo vai dar às invasões do MST e outros movimentos radicais. A invasão das fazendas da Suzano acende um sinal vermelho para qualquer empresário no Brasil e no exterior. Produtiva, e a Suzano é, ou não, propriedade privada ou pública, tem que ter a guarita da lei. E a lei tem que ser cumprida. Quando o governo não age, não é só falar, é agir, a confiança cai, o investimento cai, a produção cai. E isso está acontecendo na área rural. O episódio do Carnaval Vermelho em Mato Grosso ficou na cabeça dos produtores e, queiramos ou não, corre-se o risco da produção agrícola, independentemente das variações do mercado internacional e da vaca louca, cair. Só se planta se houver mercado e segurança. Senão, não se planta. Simples. E na roça se diz que quem foi mordido por cobra tem medo de barbante.

Um outro elemento de preocupação é o que está aconte­cendo no varejo. O efeito Americanas está sendo totalmente subestimado. Nem os bancos conseguem reverter a situação na qual está claro que tudo está sendo feito para proteger os acionistas majoritários e deixar na chuva os trabalhado­res, fornecedores, bancos e todos os demais. Ninguém do governo está percebendo o efeito dominó que a solução em curso está tendo, não só na cadeia de suprimentos, mas em todo o varejo, que está balançando mais do que árvore no vendaval. As vendas estão caindo e a pergunta é, quem serão os próximos. Não quem será, mas quem serão.

A questão da inflação e dos juros, ataques ao Banco Central, fazem parte da cartilha: 400% de juros no cartão de crédito são indecentes. Com a crise das Americanas, o crédito ficou escasso e caro. E ataques do governo ao BC, e mudança da diretoria no meio do mandato, mostram que o governo está matando o mensageiro, mas não sabe ou não quer resolver o problema. O dragão da inflação é um assunto muito sério, os juros são uma parte da situação, e corrói todas as conquistas sociais.

Quanto ao mundo e nossa relação com ele, é bom que tenhamos uma relação política, mas que leve a uma relação econômica que contribua para o nosso desenvolvimento. Se estamos, por razões de velha amizade e antiga admiração pessoal, apoiando Daniel Ortega na Nicarágua, estamos dizendo aos brasileiros que estamos de acordo com o que ele faz. Ou seja, faz o que Hitler fazia, o que Tito vez com a minha família na Iugoslávia: se estiver em desacordo com meu governo, sai e perde a cidadania e os bens. Bem, se eu apoio esse tipo de governo, então eu acho que isso está certo e rola de maneira maluca nas nossas cabeças que vale também para as invasões no Brasil.

Aplicar a reciprocidade nos vistos com os Estados Unidos e outros é irracional do ponto de vista econômico. A dignidade nacional não fica melhor porque eles têm que ter visto para vir ao Brasil. Ao contrário, ao estarmos abertos é que somos mais dignos e soberanos.

Desafios de hoje geram soluções de amanhã. O tempo da escuridão em que vivíamos, mesmo com joias brilhando como lanterna na caverna de Ali Babá, não devem permitir que as nuvens que os políticos dominam, façam de novo outro tipo de escuridão ou então que caia granizo nas nos­sas cabeças. A política é guia da economia, mas não pode ser sua destruição.”

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