Depois de mais de dois anos e seis meses, e graças a um habeas corpus concedido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ex-prefeita Dárcy da Silva Vera (sem partido) deixou a Penitenciária Feminina I Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé (SP), por volta das 17h30 desta sexta-feira, 6 de dezembro, com destino a Ribeirão Preto. A advogada Maria Cláudia Seixas foi até o Vale do Paraíba buscar a mulher que ficou conhecida como “prefeita cor-de-rosa”.
O juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto – onde tramitam as ações penais da Operação Sevandija –, emitiu o alvará de soltura na tarde de ontem, depois de ser notificado pelo STJ. O documento chegou à Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP) por volta das 16h30 e impõe algumas medidas restritivas para a ex-prefeita, como a proibição de sair da cidade sem autorização judicial e o recolhimento domiciliar entre as 20 horas e às seis da manhã – inclusive finais de semana e feriados
Dárcy Vera também está com o passaporte suspenso, não pode se ausentar do país e a cada bimestre terá de comparecer perante ao juiz da 4ª Vara Criminal, no Fórum Estadual de Justiça de Ribeirão Preto. A ex-prefeita não poderá, em hipótese alguma manter contato com outros réus ou investigados na Operação Sevandija. Ela estava presa desde 19 de maio de 2017.
Em nota enviada ao Tribuna por meio de sua assessoria, a advogada Maria Cláudia Sexias informa que “obteve a concessão de habeas corpus da ex-prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, no Superior Tribunal de Justiça, para que ela possa responder em liberdade a fase recursal. A decisão do ministro Schietti, seguido por todos os demais ministros da Sexta Turma, é irretocável e reflete os ditames legais e constitucionais”.
Também por meio de nota, a Secretaria da Administração Penitenciária informa que “a reeducanda Dárcy Vera saiu hoje, 06/12, às 17h27, da Penitenciária Feminina I Santa Maria Eufrásia Pelletier de Tremembé, após concessão de habeas corpus – revogação da prisão preventiva, concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça”. A chegada da ex-prefeita a Ribeirão Preto estava prevista para as 22 horas desta sexta-feira.
A Sexta Turma acatou os argumentos da defesa de Dárcy Vera de que a prisão preventiva da ex-prefeita era exagerada. O ministro Rogério Schietti Cruz, relator do habeas corpus no colegiado, considerou “desproporcional” a manutenção da prisão preventiva, “pois a organização criminosa já foi desmantelada, as contas de sua titularidade estão bloqueadas e ela não exerce mais o cargo de prefeita”.
Os outros ministros da Sexta Turma seguiram o voto do relator Schietti, no caso da ex-prefeita, os motivos invocados pelo juízo para embasar a continuidade da prisão preventiva após a sentença não se mostram suficientes, “pois ele se limitou a justificar a medida na presunção de fuga da acusada, caso fosse colocada em liberdade, e na utilização do cárcere como meio para obter a reparação do prejuízo causado aos cofres públicos”.
No entanto, segundo o ministro, “a sentença não apontou nenhum elemento concreto que indicasse o risco de fuga”. Além disso, Dárcy Vera teve as contas bancárias de sua titularidade bloqueadas e não exerce mais o cargo de prefeita. Sobre a coação de testemunhas, o ministro cita que os réus já foran condenados e o processo já passou a fase de depoimentos.
Em 5 de setembro do ano passado, Dárcy Vera foi condenada a 18 anos, nove meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado, acusada de comandar um esquema criminoso que teria desviado cerca de R$ 45 milhões dos cofres do município no caso dos honorários advocatícios – ela é ré nesta ação e em outra que investiga lavagem de dinheiro. O caso foi investigado na Operação Sevandija e a sentença foi emitida pelo juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, da 4ª Vara Criminal.
O habeas corpus de Rogério Schietti Cruz também beneficia outros condenados. Os ex-advogados do Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/RP), Maria Zuely Alves Librandi – já cumpre prisão domiciliar por causa de problemas de saúde e não precisa mais obedecer às restrições judiciais, como só sair de casa para ir ao médico – e Sandro Rovani Silveira Neto e o ex-secretário municipal da Administração, Marco Antônio dos Santos. Estes dois continuarão presos porque já foram sentenciados em outra ação por lavagem de dinheiro, ainda em fase de produção de provas e sem condenação.
Santos também foi condenado na ação dos honorários a 18 anos, nove meses e dez dias de prisão. Maria Zuely e Rovani pegaram 14 anos e oito meses de reclusão cada. Há ainda outros dois réus, o advogado André Soares Hentz que ganhou o direito de recorrerem liberdade – foi sentenciado a pena igual a de maria Zueli e Rovani – e o ex-presidente do SSM/RP, Wagner de Souza Rodrigues, que fechou acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial do Crime Organizado (Gaeco), mas teria omitido patrimônio e acabou sendo preso. Foi condenado a pena de onze anos em regime domiciliar.
Todos foram condenados pelos crimes de associação criminosa e peculato, mas o Gaeco recorreu pedindo a condenação por corrupção ativa e passiva. Agora Rodrigues e os demais réus negam a prática de atos ilícitos e dizem que vão provar inocência. A ação de lavagem dinheiro é conseqüência da Operação Sevandija – o Gaeco investiga como os acusados ocultaram o patrimônio construído com a suposta propina.
Honorários
Em sua delação, Rodrigues disse que além dos R$ 7 milhões supostamente pagos à ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido), Maria Zuely teria repassado R$ 11 milhões ao sindicato (por meio de Rovani, que dividiria o montante com o delator), mais R$ 11 milhões iriam para o advogado André Soares Hentz e R$ 2 milhões para o ex-secretário da Administração, Marco Antônio dos Santos (preso em Tremembé). O ex-sindicalista admite ter recebido R$ 1,2 milhão. Os demais negam a prática de crimes.
Ao conceder o habeas corpus a Dárcy Vera, a Sexta Turma do STJ diz que “não há elementos idôneos que justifiquem a manutenção da medida cautelar”. Antes de assumir o executivo municipal, foi vereadora por quatro mandatos. Também elegeu-se uma vez deputada estadual. Com a decisão da Sexta Turma, a ex-prefeita poderá ficar em liberdade enquanto recorre da condenação. Os ministros ressalvaram a possibilidade de nova decretação da prisão provisória caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo da fixação de medida cautelar alternativa.
Quando sentenciou a ex-prefeita, o juiz da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto manteve a prisão preventiva a que ela já estava submetida, sob o entendimento de que haveria risco de fuga e de frustração da aplicação da lei penal. O magistrado considerou que o bloqueio de bens da acusada não seria suficiente para recompor o patrimônio público, havendo a expectativa de localização de outros ainda desconhecidos – o que poderia ser prejudicado com a ex-prefeita em liberdade.
Em habeas corpus requerido ao STJ, a defesa argumentou, entre outros pontos, que não haveria motivação idônea para manter a prisão preventiva, uma vez que os fundamentos utilizados na sentença seriam “genéricos”.
Dárcy Vera já tem outra condenação
A ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido) também já foi condenada pelo juiz Eduardo José da Fonseca Costa, da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto, a cinco anos de prisão em regime semiaberto por desvio de recursos públicos em proveito próprio ou de terceiros e por dispensa indevida de licitação em uma ação sobre a primeira prova da Stock Car realizada na cidade, em 2010.
Dárcy Vera foi condenada, em 23 de abril de 2018, pelo suposto desvio de R$ 2,2 milhões provenientes do Ministério do Turismo (MTur) para realização desta etapa da Stock Car, em junho de 2010, primeiro ano da competição em Ribeirão Preto e que levou cerca de 45 mil pessoas à Zona Sul da cidade. A ex-chefe do Executivo municipal, que exercia o primeiro mandato à frente do Palácio Rio Branco (2009-2012), nega a prática de crimes.
A cidade sediou quatro etapas da categoria entre 2010 e 2015. Segundo a denúncia, por meio de um convênio, o Ministério do Turismo repassou R$ 2 milhões à prefeitura para a contratação de serviços publicitários de divulgação com o objetivo de trazer turistas para o evento. Entretanto, o valor teria sido repassado à Confederação Brasileira de Automobilismo, que “quarteirizou” o serviço para a Vicar Promoções Desportivas S/A.
Em 2013, para não ficar inadimplente junto ao governo federal por causa das irregularidades apontadas e não perder recursos federais, como o do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a prefeitura assinou um acordo parcelando a devolução – corrigida para R$ 2,3 milhões – em 24 vezes. A Justiça entendeu que houve prejuízo aos cofres públicos.
Segundo o juiz Reginaldo Siqueira, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão Preto, há nos autos documentos que demonstram indícios de prática de atos de improbidade administrativa e que violam os princípios da administração. Ele acatou denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) e instaurou outra ação contra a ex-prefeita por improbidade, na Justiça do Estado.
O magistrado também determinou o bloqueio de bens no montante de R$ 769,6 mil de Dárcy Vera, da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e da Vicar Promoções Desportivas S/A, empresa responsável pelas provas da Stock Car. Os citados disseram que não houve irregularidades no contrato.