Mais do que programas, listas de conteúdos e de atividades, o currículo é o desenvolvimento de formas de pensar, de perceber o mundo, de viver. Implica na preparação do indivíduo para a sociedade existente, para posições de domínio ou de submissão, para a assunção de posições críticas ou alienadas em relação à realidade, para a vivência plena ou apenas parcial da cidadania. O currículo define o cotidiano escolar e as suas decorrências. De acordo com esta perspectiva, o currículo não trabalha só com o conhecimento, mas com a cultura, a identidade e a subjetividade. Elaborar currículos é tomar decisões sobre os saberes que serão considerados, valorizados e transmitidos pela escola. É também decidir quanto à criação ou não de grupos excluídos e culturas negadas pela escola. A perspectiva multicultural faz com que o currículo se comprometa com o ensino de qualidade e com a perspectiva de acolhimento e respeito às diversidades. Quais são os profissionais responsáveis pelo currículo? Não são apenas os profissionais da Educação os responsáveis pelo currículo. Há saberes fundamentais que estão na área de conhecimento dos especialistas, mas há outros que vêm da comunidade interna e externa à escola e dos próprios alunos, e que podem aprimorar extraordinariamente o currículo. Assim, ele precisa ser democrático, abrangente e inclusivo, para atender às singularidades do alunado – não apenas às chamadas necessidades educativas especiais, mas às necessidades individuais dos que transitam no espaço escolar.
Neste contexto, inclusão significa que a sociedade se adapta para atender as necessidades de todos, no lugar de apenas a um grupo; que ela defende os direitos de todos, com as dificuldades que possam ter; traz grupos excluídos para dentro do “sistema”, trazendo a este uma qualidade que é usufruída por todos; e parte da compreensão de que todos somos diferentes, valorizando as peculiaridades e a individualidade de cada um. Estas foram notadas no próprio grupo, na riqueza da diversidade de experiências e compreensões. A inclusão começa pela família e pela escola, onde as crianças, os jovens e os adultos devem experienciar a convivência com todos, em vez da segregação dos grupos isolados. No caso do currículo, não significa trabalhar para os grupos “especiais”, pois isso ainda é exclui-los, mas trabalhar com eles na construção da concepção de sujeito, de conhecimento e de mundo que o currículo envolve. Não se trata apenas dos alunos com necessidades educativas especiais, mas também dos “culturalmente diferentes” da norma de performance que a escola espera, “culturalmente desfavorecidos” em relação à cultura dominante. Para atender às diversidades, há a necessidade de “adaptações” do currículo regular, envolvendo modificações organizativas, nos objetivos e conteúdos, nas metodologias e na organização didática, na temporalidade e na filosofia e estratégias de avaliação, permitindo o atendimento às necessidades educativas de todos, em relação à construção do conhecimento. Para tanto, torna-se necessário o aprimoramento da formação docente sobre os diversos tipos de necessidades especiais. Isto significa sensibilizar o professor às várias modalidades de necessidades educativas específicas dos vários grupos e culturas excluídos.
Até o final da década de 60, a oralidade centralizava o interesse dos estudos linguísticos, filológicos e literários. Já no final da década de 70, ainda com foco tradicionalmente gramatical, os estudos sobre a escrita de crianças e jovens, a saber, suas redações, ou produções de textos, como são denominadas atualmente, assumiram tal lugar por conta de passarem a integrar alguns exames vestibulares. Nas décadas seguintes, o domínio das diferentes perspectivas teóricas linguísticas trouxe à cena uma tipologia diferenciada de análises dessas escritas escolares, alcançando o que hoje se denomina “letramento acadêmico”. Atualmente, a prioridade destas análises, retomadas e reformuladas constantemente, repousa sobre teorias dos gêneros discursivo e textual, que dialogam, cada qual a seu modo, com os estudos sobre letramento, aqui entendido como o uso que um indivíduo, ou comunidade, estabelece com a escrita. Mas, o que pensam os estudantes universitários sobre suas escritas? E, indo mais além, como elas são interpretadas por especialistas que as cotejam em relação a um determinado padrão linguístico acadêmico?
Na década de 80, o desempenho na escrita era verificado de acordo com as habilidades individuais de ler e escrever apresentadas pelos alunos. Atualmente, pesa nessa avaliação o contexto sócio-histórico-cultural específico em que o aluno esteja inserido. Ou seja, sobre “o quê” esses alunos escrevem? Escrevem, por certo, sobre temas específicos, que têm significação em seus respectivos ambientes e realidades, oscilando de esferas escolares à esferas religiosas e familiares, entre outras, e a partir, o que é muito significativo, da observação das escritas de colegas de diferentes classes sociais e etnias. Entretanto, tal inexatidão entre características formais textuais e a produção real dos alunos causa a negativa impressão docente de que os alunos são iletrados, a despeito de estarem adentrando o nível superior. Em verdade, as convenções da escrita científica devem, sim, e logo no início da vida acadêmica, ser apresentadas aos calouros. E, ainda que não suficientes para o aluno discernir entre uma tipologia textual em detrimento de outra(s), cumpre acrescentar a tais explicações a justificativa e o argumento do porquê uma modalidade é requisitada e não outra. À medida que o domínio dos gêneros vai se estabelecendo entre os alunos, expressões do tipo “passei a me preocupar”, ou, “após notar a importância, busquei exercê-la melhor”, vão sendo proferidas pelos alunos. Ou seja, a construção do conhecimento metodológico vai sendo assumida por eles, mais precisamente, a detecção de que há um leitor específico que os lê, interessado pelo que escrevem.
Logo, organização e clareza são ingredientes-ativos do processo leitura e produção textual. Buscá-los é ação que também reclama conhecimento de conteúdos a serem expressos. Nesse momento, então, o que o aluno descobre é como se estuda e como se pesquisa para, dominando conceitos, conseguir estudar, conhecer, produzir conteúdo e se fazer entender. Ou seja, descobrir que escrever é se autoconhecer, bem como, conhecer seu próximo, as coisas que a ambos rodeiam e o mundo que os aguarda para ser decifrado. Para se escrever, tal como em tudo na vida, tem que haver um objetivo a ser alcançado. Você já descobriu o seu? Descubra, e veja como todo o sentido do que você está fazendo também muda.