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Crimes racistas aumentam 77,9% em 2023 

Ocorrências saltaram de 5,1 mil para 11,6 mil no Brasil em apenas um ano e Ribeirão Preto segue tendência nacional em crimes de injúria e racismo   

Casos de racismo subiram 77,9% em 2023, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Banco de Imagens/CNJ)

Por Adalberto Luque 

Tarde de 7 de agosto. Numa agência bancária, localizada na Rua Duque de Caxias, Centro de Ribeirão Preto, o movimento de clientes era como de costume, intenso. Eis que uma mulher aumenta o tom da voz e chama uma jovem estagiária, de 19 anos, de “macaca”. 

Imediatamente a moça começa a chorar. Inconformada com o ataque, essa foi a única reação da vítima de injúria racial contra a covarde agressão. Outra mulher, que estava na agência, não pensou duas vezes e acionou a Polícia Militar. 

A autora da ofensa de racismo, a vítima da ofensa, a mulher que chamou a PM e outras testemunhas que se apresentaram voluntariamente, foram até a Central de Polícia Judiciária (CPJ), poucos quarteirões da agência. 

Apesar de alegar que estava indignada com a demora no atendimento e que teria feito o xingamento mais como desabafo, a mulher foi indiciada por crime de injúria racial. Presa em flagrante, foi encaminhada para uma unidade prisional. 

No dia seguinte, acabou sendo liberada em audiência de custódia, para responder ao crime em liberdade. Terá que se apresentar mensalmente à Justiça e não pode ficar longe de Ribeirão Preto por mais de 15 dias. 

Aumento significativo 

Em pleno século XXI ainda é possível presenciar cenas como essa. Na verdade, isso tem sido cada vez mais comum. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 os crimes de injúria racial e racismo, tiveram crescimento significativo. 

No Brasil, os registros saltaram de 5.100 em 2022 para 11.610 em 2023. Isso representa um incremento de 77,9% no número de casos. A análise foi feita pela equipe do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, com dados coletados nos registros policiais, nas Secretarias estaduais de Segurança Pública e Defesa Social de todos os estados brasileiros e Distrito Federal. 

Nos casos de homicídio doloso, os negros são vítimas em 78 de cada 100 casos. Os crimes de latrocínio também matam mais a população negra: 60,9% das vítimas. O mesmo ocorre em registros de lesão corporal seguida de morte, onde 74 de cada 100 vítimas têm a pele negra. O maior índice é percebido nos casos de morte decorrente por intervenção policial, quando 82,7% das vítimas são de pele preta. 

Policiais negros 

Se por um lado os negros são 82,7% das vítimas letais em casos de intervenção policial, o número de policiais mortos também é predominante entre pessoas de pele preta. Nos casos de mortes violentas entre policiais civis e militares em 2023, menos de 1% correspondem a agentes da lei de pele amarela e 29,4% são de cor branca, enquanto negros responderam por 69,7% dos casos de policiais vítimas de morte violenta intencional. 

Os dados do Anuário apontam que os negros estão mais expostos aos riscos de vida. Enquanto os furtos de celulares têm entre a maioria de suas vítimas pessoas brancas, os roubos, isto é, a ação violenta, com uso de arma e forte ameaça, têm nos negros a maioria dos casos. Pela lógica dos bandidos que buscam furtar ou roubar celular, é mais seguro furtar do branco e roubar do negro. 

Mulher 

Os números da violência contra a mulher apurados pelo Anuário mostram que a de pele negra está bem menos protegida que as demais, de peles branca, amarela e vermelha (indígenas). As mortes violentas intencionais de mulheres registraram que 63,6% das vítimas eram negras. Nos feminicídios (crime cometido especificamente porque a vítima é mulher) esse número é ainda maior: as vítimas negras respondem por 68,6% dos casos. 

Entre as vítimas de estupro e estupro de vulnerável, as de pele branca são 46,9% dos casos, enquanto as negras novamente são maioria em 52,2% dos registros. 

Encarceramento 

Para a socióloga Jacqueline Sinhoretto, quanto maiores os orçamentos em segurança e nas políticas, mais cresce a porcentagem de negros entre as vítimas (Reprodução/Internet)

Considerado um problema crônico para a sociedade brasileira, a população carcerária também demonstra a desigualdade racial. Há muitos anos os negros são maioria no sistema prisional. A questão é que o percentual aumentou ainda mais nos últimos anos. Enquanto em 2005, por exemplo, os negros representavam 58,4% da população encarcerada, em 2023 esse número saltou para 69,1%. 

Jacqueline Sinhoretto é socióloga e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além de integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ela, o Anuário precisa continuar demonstrando e enfatizando (com os cálculos de ponderação sobre o tamanho dos grupos de cor/raça e a chance diferencial de serem vítimas de violência) que a ideologia de democracia racial está bem distante de ser uma prática concretamente democrática.  

“Quanto maiores os orçamentos do setor de segurança e das polícias, mais cresce a porcentagem de negros entre as vítimas. Muitas pessoas reagirão com estranheza, pensando que não se pode traçar uma relação direta entre as coisas. Concordo, e procuro estudar quais são os mecanismos que produzem uma relação indireta entre o fato de que nunca houve tantos investimentos em segurança e a desigualdade racial do resultado nunca foi tão grande”, avalia. 

Racismo e injúria 

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes. Injúria está contido no Código Penal brasileiro e racismo previsto na Lei 7.716/1989. 

Injúria seria ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Foi o caso da jovem estagiária na agência bancária. Já racismo, de acordo com o CNJ, atinge uma coletividade, discriminando toda a integralidade de uma raça. E, ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. Melhor seria acrescentar às leis um termo comum em sentenças judiciais: cumpra-se. 

Racismo no Brasil está enraizado 

“Luto por um futuro onde meu filho, sobrinhos e todas as crianças negras possam crescer em um mundo mais justo e igualitário e onde a cor da pele não defina oportunidades ou direitos”, diz a advogada Daniela Costa (Arquivo Pessoal)

A advogada Daniela Correa, sócia do escritório DCorrea Advogados, é envolvida com a luta contra a discriminação racial. Foi presidente da Comissão Temática de Direitos Humanos e Igualdade Étnico Racial na Ordem dos Advogados do Brasil, subseção São Miguel Paulista, na Capital, onde atuou por implementação de novas medidas de combate à discriminação étnico racial.

Para ela, é doloroso ver casos como o da estagiária, que nos dias atuais continuam ocorrendo no Brasil. “Isso reflete como o racismo ainda é profundamente enraizado em nossa sociedade, manifestando-se de maneiras cotidianas e violentas, mesmo com a presença de leis mais rígidas”, diz Daniela. 

A advogada é membro atuante na Associação Nacional de Advocacia Negra (ANAN) e da Blacksisters in Law (entidade que congrega advogadas negras) e aponta que o caso da jovem estagiária, vítima de injúria racial, com a agressora liberada em audiência de custódia, gera questionamentos sobre a eficácia do sistema jurídico.  

“Como jurista, vejo que a luta ainda vai ser longa, para fazer a lei não ficar apenas no papel, mas reavaliar essas práticas para que a justiça seja mais contundente e protetiva. Além de lutar pela implementação de medidas de conscientização do combate ao racismo, envolvendo não apenas leis, mas também uma mudança cultural e educacional.” 

Daniela entende que a persistência das desigualdades de cor, gênero e classe na sociedade brasileira está enraizada em legado histórico de discriminação e exclusão. “Embora avanços ainda tenham sido feitos, a mudança estrutural necessária ainda enfrenta resistência”, aduz a advogada. 

Para minimizar esses impactos, dedica tempo para atuar por entidades como a ANAN e a Blacksisters in Law. “Oferecemos suporte jurídico a vítimas de discriminação, promovemos campanhas de conscientização e pressionamos por mudanças legislativas e políticas públicas. Além disso, essas entidades ajudam a empoderar comunidades negras, criando espaços de resistência e voz”, acrescenta. 

Sendo mulher advogada negra, ela já sentiu na pele a discriminação. “Não só da sociedade onde enfrentamos batalhas diárias em múltiplas frentes. Mas também no campo profissional. Infelizmente é comum enfrentar discriminação, seja por parte de juízes, funcionários de órgãos públicos até mesmo de outros advogados. E isso só evidencia que o racismo permeia até mesmo os ambientes mais formais e que a luta por igualdade precisa ser constante.” 

A advogada explica que o racismo no Brasil é uma questão cultural, enraizado em práticas e mentalidades historicamente construídas e que necessitam de muito empenho para reverter esse quadro. “Como mulher negra, mãe/tia e advogada militante, minha luta contra o racismo é diária e inabalável. Luto por um futuro onde meu filho, sobrinhos e todas as crianças negras possam crescer em um mundo mais justo e igualitário, onde a cor da pele não defina as oportunidades ou os direitos”, conclui. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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