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Crime sem castigo nos tempos do café

A fazenda estendia-se por grande parte do Vale do Paraíba paulista, galgando pequenos morros, cortada por riachos que se enchiam na época das chuvas. O coronel Antônio gostava de ca­valgar pelos seus cafezais, orgulhoso de suas terras, principalmente quando os pés de café se cobriam de flores brancas, parecendo uma paisagem de inverno europeu.

Há tempos vinha notando queda da produtividade da cultura, menores quantidades de sacas por alqueire. Falava-se muito de um período de decadência que se aproximava, juntamente com notícias da República, que substituiria a velha monarquia.

Mas, as atenções do coronel Antônio focavam-se mesmo na Josefa, jovem escrava que servia à casa grande e dividia, com ele, prazeres proibidos. Não tão proibidos, numa época em que a auto­ridade do homem era inquestionável, desde que dissimulados.

De um simples capricho sexual, o coronel começou a se en­rabichar com a escrava jovem e atraente e foi se descuidando em esconder seus encontros.

Sua esposa era proveniente de uma família de grandes proprie­tários de terra, políticos, advogados famosos, donos de fortunas antigas. Havia recebido ótima educação, em colégio de freiras, era religiosa, embora mantivesse as escravas que lhe serviam dentro de um regime de exigência absoluta. Chegava mesmo a agredi-las, para manter a ordem e o domínio sobre as pobres meninas.

Logo, a notícia do caso do coronel chegou aos ouvidos da esposa, que passou a vigiar a escrava, flagrando o adultério numa das noites. Advertiu o marido energicamente, exigindo que ele abandonasse o caso e transferiu a menina para os serviços braçais da fazenda.

Durou pouco a separação, pois o coronel passou a se relacionar com a escrava, durante o dia, nos cafezais, longe de vistas inde­sejadas. Mas, o retorno não passou despercebido para a vigilante esposa, que chamando um capanga de sua confiança, deu ordens de sumir com a rival.

O serviço foi mal feito, o capanga julgou que a escrava estava morta. Uma chuvinha fina e persistente reanimou a menina, que se manteve viva, até ser socorrida justamente por um adversário político do coronel, que passava na estrada a caminho de sua fazenda. Levada à Santa Casa da cidade, não resistiu aos ferimentos. Mas, antes, de­nunciou o autor do crime, alardeado por todos os cantos da cidade.

O capanga, fugitivo, foi acolhido na fazenda de um compa­dre, onde foi encontrá-lo um dos irmãos da esposa mandante do crime, advogado de grande renome em São Paulo. Na presença dela e do coronel Antônio, o advogado deixou claro que as provas eram muito fortes e a única solução seria o coronel admitir ser o mandante do crime, cometido porque a jovem escrava o caluniava, contando a todos mentiras deslavadas. Desnecessário dizer que a solução foi uma exigência da mulher ao seu irmão, para levar o coronel a júri, punindo-o desta forma pela aventura.

Ano e meio depois, reúne-se o júri, na cidade onde se localiza­vam as fazendas.
O esforço relativo do Promotor de Justiça não conseguiu demolir a defesa do advogado famoso, que, em palavras candentes, traçou o inferno que passou a ser a vida do coronel, depois que a escrava noti­ciava a todos os detalhes do relacionamento, nem sempre favoráveis ao desempenho do coronel na cama. O cafeicultor havia sido ofendido em sua honra e imagem de homem íntegro, marido exemplar e pai de família e outra solução não havia senão absolvê-lo por defesa da honra.

Os doze jurados foram unânimes em considerar o réu inocente e a paz, pelo menos aparente, voltou a reinar nas terras do rico cafeicultor. E deixando impune a verdadeira mandante do crime. Afinal, escravo não era considerado gente e ela pôde continuar comungando semanalmente na missa.

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