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Cresce a indústria dos golpes virtuais 

Com aumento exponencial de casos, o estelionato virtual tornou-se o crime da moda e criatividade criminosa tem causado prejuízos enormes às vítimas 

Perfis falsos são muito usados nos aplicativos de mensagens e até sites de compra e venda (Reprodução)

Por Adalberto Luque 

O funcionário público aposentado Wilson Alencar (nome fictício) estava às voltas com a suspeita de um câncer de próstata quando, através de aplicativo, recebeu mensagem de sua filha: “Oi pai. Mudei meu telefone. O outro estava dando problema. Salva esse número e vamos nos falando. Tudo bem com o senhor?” 

A foto da filha no perfil do novo número e a pergunta fez com que Alencar se desarmasse. Contou que estava aguardando resultado de biópsia e a conversa fluiu ao longo de 10 dias. A suposta filha mandava mensagens de bom dia e sempre perguntava sobre a evolução do quadro de saúde do pai. 

Então veio um pedido: “Pai, estou com problemas no banco e preciso pagar uma conta de R$ 2.920. Tenho esse dinheiro, mas o gerente ainda não liberou. O senhor pode pagar pra mim? Te passo o boleto. Só não está no meu nome. Mas é tranquilo. Assim que o gerente liberar eu transfiro”. 

Alencar imprimiu o boleto e foi até o banco onde tem conta, fazer pessoalmente o pagamento. Depois foi uma lotérica e, na fila, chega outra mensagem. “Pai, esqueci, tem como fazer um depósito de um negócio que estou fechando?” E o pai, sem desconfiar, entregou: “E o seu negócio de frango frito, não está dando certo?” 

A suposta filha respondeu: “Está. Esse dinheiro é para abrir outra loja, aí perto da sua casa.”. E o pai fez o tal depósito. Mais tarde, sem receber o reembolso, mandou mensagem para a filha: “Até agora o dinheiro não entrou. Você falou com o gerente?” E a pessoa respondeu: “Eu depositei, não caiu? Amanhã vou ver no meu banco.”  

Sem resposta o homem ligou para o genro e ficou sabendo que a filha não mudou de número. Alencar ligou no número antigo – o novo estava bloqueado – e conseguiu falar com ela. “Foi então que percebi que tinha perdido R$ 6 mil”, lamenta. 

Crescimento vertiginoso 

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as atividades criminosas estão cada vez mais ocorrendo na arena virtual, onde o crime típico deixa de ser o roubo e passa a ser o estelionato ou golpe virtual.  

“Isso reconfigura por completo a governança criminal e desafia tanto formulação e implementação de políticas de segurança pública quanto as redes de governança criminal”, avalia a publicação. Os números apurados pelo Anuário mostram que a segurança pública precisa correr atrás do prejuízo. Entre 2018 e 2022, os registros de estelionato cresceram 326,3%. 

Há dois anos foram registrados 200.322 casos de fraude eletrônica no Brasil, são 208 golpes por hora. Mas o número deve ser muito maior, porque os números não contaram com dados de São Paulo, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, não disponibilizados aos pesquisadores. 

Ameaça crescente 

Queiroz, da ClearSale: verificação em duas etapas, cartão de crédito virtual e outros cuidados são fundamentais para se proteger contra os golpes  (Divulgação) 

A ClearSale. especializada no combate a fraudes digitais, que oferece proteção a setores do e-commerce, mercado financeiro, vendas diretas, telecomunicações entre outros, avalia que os perfis falsos são uma ameaça crescente nas redes sociais. 

Ao assumir identidade de lojas, hotéis, restaurantes e até amigos, são usados para golpes engenhosos e outros nem tanto, mas que causam prejuízos às vítimas. “No universo digital, um perfil falso é uma representação digital fraudulenta, criada para simular a presença online de uma pessoa real”, constata a ClearSale, acrescentando que são encontrados em diversas plataformas online, redes sociais e até fóruns e sites de compra. 

Com endereço de e-mail temporário, foto retirada da internet e nome fictício, golpistas dão vida a identidades virtuais que podem parecer verdadeiras. Podem ser lojas conhecidas prometendo descontos que levam a informações sensíveis ou até solicitações de pagamentos, como a do início da reportagem, se passando por familiares da vítima. 

Segundo Marcelo Queiroz, head de estratégia e novos negócios da ClearSale, a aceleração do digital vista nos últimos anos, principalmente durante a pandemia, trouxe um universo de oportunidades no dia a dia das pessoas. Mas também gerou oportunidade para os mal-intencionados. 

“Se olharmos apenas o recorte da pandemia, em que boa parte da população foi obrigada a acelerar a própria digitalização, é natural que a falta de conhecimento no digital e pouca familiarização no que diz respeito a cuidados em compras online tenham motivado a crescente de golpes neste ambiente. Mas não podemos descartar a criatividade e a voracidade deste tipo de criminoso no Brasil. Fraudadores não são apenas pessoas isoladas e escondidas cometendo crimes, podem ser quadrilhas, com equipes multidisciplinares e, em não raros os casos, profissionais especializados atuando e trocando informação o tempo todo”, explica Queiroz. 

Para ele, apontar uma única causa seria simplificar uma questão complexa e com inúmeras variáveis. “É um misto e, por isso, é preciso redobrar os cuidados e adotar medidas de segurança”, ensina. 

Engenharia social 

O poder de persuadir a vítima, através da manipulação virtual, é definido como engenharia social. São manobras criadas para enganar, explorar e conquistar confiança das pessoas, procurando obter informações confidenciar ou induzir a vítima a realizar determinadas ações. 

A ClearSale alerta que, ao se apropriarem de perfis falsos, golpistas exploram a vulnerabilidade emocional das pessoas. Tentam despertar compaixão, oferecer vantagens ilusórias ou até mesmo seduzir a vítima, entre tantos truques utilizados. 
E, para aqueles que caem no golpe, as consequências financeiras são significativas, resultando em prejuízos difíceis de serem recuperados. 

Instituições financeiras 

De acordo com a Agência Brasil, pesquisa realizada para Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) para o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) projeta que 7,2 milhões de consumidores sofreram alguma fraude em instituições financeiras nos 12 meses anteriores à aplicação do levantamento (feito no final de julho e começo de agosto de 2023). Na rodada anterior da pesquisa, feita em 2022, o número apurado foi de 8,4 milhões de consumidores. 

O crescimento no número de golpes usando supostamente sites de banco também têm preocupado os gestores da área. 

Ainda de acordo com a Agência Brasil, a insegurança e a perda de confiança em bancos e instituições financeiras pode ser crítica para o setor. “O volume de fraudes e golpes começou a prejudicar a própria percepção do consumidor financeiro sobre a segurança e a confiabilidade do sistema financeiro”, admitiu Belline Santana, chefe do Departamento de Supervisão Bancária do Banco Central, em audiência na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados em 26 de outubro do ano passado. 

Rigor na lei e cuidados 

Esse contexto fez com que Governo e Congresso Nacional tratassem a questão com celeridade, estabelecendo mais rigor às leis que cuidam do tema. Foi o caso da Lei 14.155/2021, que alterou uma Lei do Código Penal vigente desde 1940, para tornar mais graves crimes virtuais e estabelecendo competências na modalidade de estelionato. 

As penas para crimes virtuais subiram para de 4 a 8 anos de reclusão. Também tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2339/23, que prevê a figura do estelionato digital como crime no Código Penal brasileiro. 

Para Queiroz, da ClearSale, alguns cuidados são fundamentais para dificultar a vida dos golpistas virtuais. “Ativar verificação em duas etapas, ter um cartão digital para compras online, não compartilhar informações do cartão e nem o deixar salvo nas lojas que costuma realizar compras online, ativar avisos via mensagem ou e-mail de transações realizadas, consultar seu extrato diariamente, comprar em sites confiáveis”, acrescenta. 

Ele também tem cita a importância dos cuidados por parte das empresas. “É importante contar com sistemas de autenticação, empregar análises preditivas, solicitar senhas fortes aos usuários, monitorar de perto os indicadores de fraude, fazer análises para saber se há conteúdos indevidos relacionados à sua marca na internet e redes sociais e, claro, utilizar uma solução de proteção contra fraudes com tecnologia avançada.” 

Polícia investe em capacitação 

Se os criminosos se especializaram, a Polícia Civil não deixou por menos: cursos de lavagem de dinheiro, gestão em rede tecnológica e até formados em TI integram a Instituição, segundo o delegado Kleber Granja (Alfredo Risk) 

Responsável por apurar os casos de estelionato virtual, a Polícia Civil conta com um departamento especializado. Trata-se da Divisão Especializada de Investigações Criminais (DEIC) de Ribeirão Preto. Graças à atuação das equipes da DEIC, vários casos têm sido esclarecidos.  

“Temos como métrica de enfrentamento ao ‘cybercrime’ a necessidade de capacitação. Nossos policiais têm que entender os processos de evolução e involução. Temos policiais que estão fazendo cursos de lavagem de dinheiro, de gestão em rede tecnológica e já temos policiais formados em Tecnologia da Informação”, explica Kleber de Oliveira Granja, delegado que dirige a DEIC. 

As técnicas desenvolvidas pela equipe especializada não são utilizadas somente para combater os casos de estelionatos virtuais, mas todos os crimes que envolvam organizações criminosas. “Quando se fala em célula criminosa, não podemos pensar apenas nos crimes ligados às facções que atuam dentro e fora dos presídios. Hoje o criminoso se especializou. Tem a célula voltara para o furto e roubo de veículos, por exemplo, que abastecem desmanches clandestinos e os cadastrados que continuam teimando em receptar peças usadas. Combatemos a ação desses criminosos utilizando as ferramentas tecnológicas”, observa Granja. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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