Uma emergência de saúde pública, tal qual a pandemia da Covid-19, seguramente pode afetar a saúde, a segurança e o bem-estar dos indivíduos, causando, por exemplo, insegurança, confusão, isolamento emocional, estigma, medo, ansiedade, depressão, apatia, preocupação, estresse psicológico e transtornos pós-traumáticos. Num nível mais social, pode haver perda econômica e perda do emprego, bem como, fechamento das escolas, transtornos nos transportes públicos, agitações e revoltas, consequências, estas, que acarretam diferentes tipos e graus de reações psicológicas e de transtornos mentais. É certo, também, que, com o surgimento de uma segunda onda da infecção, com crescente número de casos e óbitos, o agravamento de um conjunto de problemas mentais, tanto para a população em geral, quanto para os esgotados profissionais de saúde, tem ocorrido, de modo similar ao verificado com os estudantes em geral por ocasião do fechamento das escolas.
Considerando as implicações e consequências da pandemia na saúde mental, Zhou et al (3 may 2020, European Child & Adolescent Psychiatry) investigaram tais problemas em 8079 adolescentes chineses, de 21 províncias da China, na idade de 12 a 18 anos, que responderam a um questionário online avaliativo, especificamente, de sintomas de ansiedade. Os sintomas depressivos foram avaliados pelo Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-9), formado por 9 itens que avaliavam, de forma simples e eficiente, a depressão auto avaliada de um participante. Os participantes foram requisitados a avaliar a presença de 9 problemas, incluindo depressão e declínio de interesse, nas últimas duas semanas, numa escala que variava em 4 pontos, a saber, de “Quase todos os dias” (3 pontos) a “Nenhum dia” (0 pontos). Os escores para a severidade dos sintomas foram: 5-9 sintoma leve; 10-14 sintoma moderado; 15-19 sintoma moderadamente severo; e 20-27 sintoma severo.
Os sintomas de ansiedade foram avaliados pela versão chinesa da Escala de Desordem de Ansiedade Generalizada (GEAD-7) que mede sete sintomas. Os participantes foram solicitados a responder o quão frequentemente incomodados eles se sentiram por cada um dos sintomas ao longo das últimas duas semanas. As opções de respostas foram: nunca me preocupei; alguns dias; mais que metade dos dias; e quase todos os dias, pontuadas como 0, 1,2 e 3 respectivamente. Os escores para a severidade total dos sintomas foram 5 -9 para leve, 10-14 para moderado e 15-21 para severo.
Os resultados mostraram diferença dos sintomas depressivos e ansiedade entre estudantes das regiões chinesas. A proporção de sintomas depressivos entre estudantes vivendo nas cidades foi menor do que a proporção dos que viviam em áreas rurais (37,7% versus 47,5%), tal como foi a proporção dos sintomas de ansiedade (32,5% versus 40,4%). A proporção de estudantes masculinos com sintomas depressivos e de ansiedade foi menor do que a proporção de estudantes femininas (41,7% versus 45,5%; 36,2% versus 38,4%). Sintomas depressivos e de ansiedade diferiram entre as séries escolares. Com o aumento progressivo das séries, do básico ao médio, a proporção de estudantes com sintomas depressivos e de ansiedade aumentou.
Sintomas de ansiedade e depressão leves a moderados foram muito comuns. A taxa de depressão leve foi de 26,4% enquanto a taxa de depressão moderada foi de 10,1%, ao passo que, a taxa de ansiedade leve foi de 27% e a de ansiedade moderada foi de 7,4%. A proporção de todos os estudantes respondentes com sintomas depressivos de leve a severo foi de 43,7% e a proporção de todos os estudantes com ansiedade de leve a severa foi de 37,4%. A prevalência de sintomas de ansiedade e depressão comórbida foi de 31,3% entre todos os participantes.
Tomados juntos, os dados desse estudo epidemiológico transversal revelam que a prevalência de sintomas de ansiedade e de depressão em estudantes do ensino médio e fundamental na China foi de 43,7% e 37,4%, respectivamente. Ademais, a prevalência de tais sintomas, tanto depressivos quanto de ansiedade, é significativamente influenciada pelo contexto sociocultural e econômico do país e, também, negativamente associada com o nível de consciência sobre a Covid-19.
Esse padrão de resultados sugere que o governo necessita dedicar atenção à saúde psicológica entre estudantes do ensino médio e fundamental enquanto combatendo a Covid-19. As intervenções psicológicas para mitigar as reações adversas à saúde mental acarretada pela Covid-19 poderiam considerar as diferenças regionais de modo a serem oferecidas de forma virtual ou através da criação de plataformas apropriadas ao atendimento dos estudantes, e de seus pais, ou de forma presencial, mantidos todos os protocolos de segurança. Acredito que a próxima década será a década da saúde mental.