Um estudo divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) traçou um perfil dos profissionais de saúde mortos no primeiro ano da pandemia de covid-19 e mostrou que mais enfermeiros foram vítimas da doença na Região Norte que na Região Sudeste. O trabalho foi publicado na revista científica Ciência & Saúde Coletiva.
A autora principal do artigo, Maria Helena Machado, diz que os dados regionais de mortalidade dos profissionais de saúde por covid-19 entre março de 2020 e março de 2021 são “uma fotografia real, crua e dura da desigualdade social que impera no país e no Sistema Único de Saúde [SUS]”.
A pesquisa mostra que, dos 582 mil enfermeiros que existem no país, apenas 7,6% estão na Região Norte, e 45,1%, na Região Sudeste. Mesmo assim, dos 200 enfermeiros mortos por covid-19 e contabilizados pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) no primeiro ano da pandemia, 29,5% eram do Norte e 26,5%, do Sudeste. Em números absolutos, foram 59 vítimas no Norte, e 53, no Sudeste.
“É lá [Região Norte] que se vê com clareza onde o genocídio dos profissionais se deu forma mais aguda. É onde tem piores condições de trabalho e maior aglomeração da população desesperada por atendimento. O Amazonas foi um exemplo vivo do descaso com que a Amazônia Legal vem sendo tratada no país. Ela ficou muito descoberta e desprotegida”, disse a pesquisadora, em texto publicado pela Agência Fiocruz de Notícias.
O Amazonas foi o estado brasileiro em que houve mais mortes de enfermeiros no primeiro ano da pandemia, com 12,5% do total. São Paulo teve 10,5%, e Rio de Janeiro, 9,5%.
Subnotificação
Outro alerta trazido pela pesquisa é a possível subnotificação nos dados de profissionais de saúde vítimas da pandemia. O estudo cita números da Organização Mundial da Saúde (OMS) que estima pelo menos 115 mil profissionais da saúde vítimas da covid-19 até maio de 2021, em todo o mundo, mas considera que o total pode ser ainda maior.
Para o estudo da Fiocruz, foram usados os bancos de dados do Cofen e do Conselho Federal de Medicina (CFM), mas a pesquisa chama a atenção para o fato de não haver no país sistematização dos números de contaminados e de mortes entre os trabalhadores da saúde.
“É importante assinalar que a escassez e, por vezes, a ausência sistemática de dados sobre óbitos de profissionais de saúde em geral durante a pandemia é um fato grave. Isso implica um apagão de fatos que aconteceram e estão acontecendo com esses trabalhadores, gerando um cenário de incertezas na pandemia e no pós-pandemia”, diz um trecho do artigo.
Médicos e auxiliares de enfermagem
A disparidade entre a proporção de profissionais e a proporção de mortes também aparece entre médicos e auxiliares de enfermagem. Com apenas 4,5% dos médicos do país, mas teve 16,1% dos óbitos entre esses profissionais. Entre os auxiliares de enfermagem, 8,7% estão no Norte, enquanto 23,2% das vítimas dessa categoria profissional se concentram nesses estados.
A pesquisa mostra ainda que 75% dos médicos mortos estavam acima dos 60 anos, enquanto 80% dos técnicos ou auxiliares de enfermagem mortos estavam abaixo dessa faixa etária.
“A enfermagem tem uma inserção mais institucional, assalariada e com tempo de trabalho predeterminado. Boa parte da enfermagem no Brasil tem assegurado o direito formal à aposentadoria. Na medicina, é exatamente o contrário, pois infelizmente os médicos estão cada vez mais de forma autônoma no mercado profissional. A outra questão é que as categorias da enfermagem têm inserção no mercado de trabalho em fases da vida bastante distintas. Os técnicos podem iniciar a jornada por volta dos 18 anos, por exemplo. Os enfermeiros, assim como os médicos, precisam primeiro se formar na universidade, mas o curso de medicina é mais longo, fazendo que com que esses profissionais entrem mais tarde no mercado, o que também contribui para o prolongamento de suas carreiras”, analisa a pesquisadora.
O perfil dos profissionais da enfermagem mortos por covid-19 foi principalmente de mulheres negras. Entre os enfermeiros vitimados, 59,5% eram mulheres, enquanto, entre os auxiliares de enfermagem, elas eram 69,1%. Já em relação à raça, 31% dos enfermeiros que morreram por Covid-19 eram brancos, e 51%, pretos e pardos. Já entre os auxiliares e técnicos, 29,6% eram brancos e 47,6% pretos e pardos.
Entre os médicos, 87,6% das vítimas são homens, e 12,4%, mulheres. A pesquisa informou que dados sobre cor e/ou raça não estão disponíveis no caso dos médicos.
Edição: Nádia Franco