A pandemia global do novo coronavírus é um desastre sem precedência na história humana. Declarado uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2020, a doença tem se espalhado para cada país e, por consequência, infectando milhões e levando a óbito dezena de milhares de seres humanos. A pandemia em sua faceta destruidora tem afetado a saúde mental e exacerbado as psicopatologias pré-existentes. Ademais, a pandemia da Covid-19 é única no sentido de que sua disseminação é extremamente ampliada, provocando impactos de alta magnitude na vida diária das pessoas, sem ter, todavia, um final previsto; ademais, apresenta uma combinação complexa de estressores, bloqueando o acesso aos fatores protetivos em relação à infecção. Durante este momento estressante, e potencialmente traumático, muitas pessoas são forçadas a se adaptarem a uma nova realidade dominada pelo medo da disseminação viral e do contágio. Mais seriamente, alguns estão lutando para se recuperar das sequelas da Covid-19, quando não o estão do medo da doença e da morte.
A tarefa fundamental para muitas pessoas ao longo da pandemia tem sido manter o estresse psicológico na menor intensidade possível. Todavia, em face da incerteza do seu final, bem como, da eficácia das medidas preventivas comportamentais e medicamentosas, aqui incluindo as vacinas, além das ambiguidades das autoridades sanitárias governamentais sobre estas, têm trazido à tona várias outras questões relacionadas ao bem estar emocional da população vivenciadora do caos de uma 2ª e ou 3ª onda pandêmica.
Uma questão que gostaríamos de discutir neste momento trata do que os indivíduos, no contexto da Covid-19, podem fazer para manter a sua felicidade e o seu bem-estar emocional equilibrados. Para isso, Yang e Ma (Psychiatry Research 299, 2020, 113045) investigaram quais são os fatores que pioram, ou protegem, o bem-estar emocional durante um surto pandêmico tal como o da Covid-19. Para tanto, através de dois levantamentos, em larga escala, realizados na China, o primeiro composto por uma amostra de 11.131 chineses, e o segundo composto por outra de 3.000 chineses, conduzidos imediatamente antes e durante a pandemia do coronavírus. Em ambos, os participantes completaram um questionário de bem-estar emocional, o qual questionava os participantes se eles sorriam ou riam no dia anterior, bem como, se eles experenciaram uma grande quantidade de prazer/felicidade/raiva/tristeza/estresse/preocupação também no dia anterior (1= yes (sim); 2=no (não)). Os participantes também responderam sobre vários indicadores demográficos, do tipo idade, sexo, estado civil, renda familiar e região de moradia. Também, ao longo do segundo questionário, medidas adicionais foram solicitadas dos respondentes, envolvendo, particularmente, o conhecimento percebido sobre a infecção causada pelo coronavírus. No caso, os respondentes indicaram o quanto de conhecimento eles tinham sobre a disseminação do mesmo de pessoa para pessoa e o quanto de conhecimento eles tinham sobre prevenir a infecção do mesmo.
Por adição, os respondentes também avaliaram o quanto de controle eles tinham sobre o surto pandêmico e o quão confidentes eles se sentiam em relação a não serem infectados pelo novo coronavírus. Também, avaliaram seu nível de conhecimento atual sobre a doença, considerando a prevenção da mesma. Os pesquisadores, na sequência, construíram um Índice de Bem-Estar Emocional subtraindo a média das medidas que os afetavam negativamente (raiva, tristeza, estresse, preocupação) da média das medidas que os afetavam positivamente (sorrir, rir, prazer e felicidade). Esse indicador geral servindo como variável de análise principal.
Comparando-se os dados coletados antes da Covid-19 com aqueles ocorridos durante o surto pandêmico, os autores mostraram que o surto pandêmico degradou significativamente o bem-estar emocional dos participantes numa magnitude de 74% de declínio entre o escore antes e depois da pandemia. As análises subsequentes também revelaram um conjunto de interações significativas que afetou o bem-estar emocional e a felicidade dos participantes nos dois questionários: 1º) indivíduos que residiam no epicentro do surto pandêmico experenciaram um declínio muito maior do bem-estar emocional; 2º) os participantes mais velhos também experenciaram uma grande redução do bem-estar emocional durante o surto pandêmico, pois o coronavírus tende a causar maior prejuízo às pessoas idosas do que às pessoas mais jovens; 3º) indivíduos que foram casados também experenciaram um maior declínio no bem-estar emocional, sugerindo que perdurando um surto pandêmico pode ocorrer a exacerbação de aspectos negativos nos relacionamentos, os quais pioram o bem-estar emocional dos parceiros. Tal padrão de resultados sendo coerente quando em contexto de problemas conjugais aumentados devido ao surto pandêmico.
Ademais, a percepção individual de conhecimento acerca do coronavírus foi outro fator que elevou os indicadores de felicidade pessoal dos participantes. Também, o sentido de controle associado ao nível de conhecimento percebido teve um efeito positivo significativo sobre o bem-estar emocional dos participantes. Esses padrões de resultados persistiram mesmo após se controlar as variáveis econômicas e demográficas.
Em conclusão, as políticas públicas e as intervenções acerca da saúde mental, devem promover e proteger o bem-estar psicológico das pessoas durante a pandemia, levando em consideração principalmente as variáveis que estão intimamente associadas ao bem-estar subjetivo.