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COVID-19 e a Saúde Mental (6): Comparação entre sexos e Brasil/Portugal

A pandemia da Covid-19 é, agora, como sabemos, um problema global de saúde pública, com profundos efeitos sobre muitos aspectos do bem-estar, incluindo a saúde mental e a saúde física. Embora o foco global esteja sendo principalmente sobre os efeitos que o coronavírus tem tido sobre a saúde física humana, seu impacto sobre a saúde psicológica humana não pode ser negligenciado. Também, na pers­pectiva do impacto da Covid-19 na saúde mental global, diferenças entre sexos, e mesmo entre países, nos diferentes indicadores de saúde mental, têm recebido relevância ao longo da pandemia.

Durante a pandemia, as pessoas têm vivido, diariamente, com a possibilidade de suas vidas, bem como, de seus entes amados, poderem ser prejudicados pelo vírus. Todavia, não apenas a doença, por si pró­pria, é traumática: a instabilidade econômica provocada pela pandemia pode levar ao estresse relacionado à atividade laboral ou à perda de empregos, perda de renda e ao estresse econômico-financeiro. Portanto, tanto o surto pandêmico, por si próprio, quanto as medidas tomadas para manejá-lo, podem impor muito estresse aos indivíduos e a sua comunidade. Logo após a pandemia da Covid-19, observou-se que as taxas de mortalidade foram muito maiores do que aquelas para as mulheres. Mas as mulheres foram, e ainda continuam a ser, mais prováveis de se sobrecarregarem, mental e fisicamen­te, e serem afetadas pelos impactos sociais e econômicos da Covid-19.

Sendo gênero uma variável social que afeta os sexos de maneira diferente, refere-se, o mesmo, às relações sociais entre homens e mulheres em termos de seus papéis, comportamentos, atividades e oportunidades baseados em diferentes níveis de poder social. Também o gênero é um determinante social crucial de saúde, que permeia todos os aspectos da sociedade. Portanto, cabe perguntar, considerando tanto uma perspectiva clínica quanto uma perspectiva de pesquisa, se homens e mulheres possuem, ou manifestam, níveis de vulnerabilidade, níveis de enfrentamento à doença, níveis diferenciados de resiliência, medo, estresse, ansiedade e depressão quando vivenciado, crises de saúde pública tal como o surto pandêmico que atualmente grassa por quase um ano e meio. É óbvio que o impacto do gênero é um produto de diferentes mecanismos que se entrelaçam, incluindo diferenças biológicas, normas, valores e comportamentos típicos de cada sexo; ademais, os sistemas de saúde, em geral, e de forma globalizada, são afetados pelos vieses do gênero.

Assim considerando, reconhecer a extensão na qual os efeitos da pandemia afetam mulheres e homens de dife­rentes maneiras é um passo fundamental para compreender os processos primários e secundários da emergência em saúde. De forma análoga, entender se há, também, diferenças de gênero entre nações que, embora compartilhem um mesmo idioma, têm, ou não, várias diferenças culturais. Para investigar tais variáveis, Cardoso, Da Silva e colaborado­res (Mankind Quarterly, 2021, submetido) compararam diferenças entre Brasil e Portugal. No Brasil, os participantes foram 1471 mulheres e 368 homens, cujas idades variaram de 14 a 77 anos. Por sua vez, em Portugal foram 769 parti­cipantes, entre 17 e 70 anos de idade, com 604 mulheres e 165 homens.

Ambas as amostras responderam, de forma online, uma escala de estresse peri-traumáutico à Covid-19 composta por 24 dimensões, acer­ca da severidade do estresse num contexto pandêmico. Algumas dessas dimensões escalares sendo emocionais-afetivas, tais como depressão, medo generalizado e medo específico como, por exemplo, medo de ser infectado. Outras são cognitivas-afetivas, tais como ansiedade, dificul­dade de concentração e mudanças comportamentais como a impulsi­vidade. Outras dimensões são relacionadas à interação social, como, por exemplo, perda e medo do contato com outros. Outras tantas dimensões capturaram sintomas físicos como, por exemplo, dor, mudanças na função intestinal e micção ou no sistema nervoso central, tais como mudanças no ciclo vigília e sono.

Globalmente, e de forma sumariada, combinando-se ambos os sexos, o grau de severidade diferiu entre os dois países. A média da amostra portuguesa igual a 26 é ainda situada dentro da amplitude normal. Por sua vez, a popula­ção brasileira é situada na amplitude moderada e leve, com uma média de 36. Também, a severidade do estresse pe­ri-traumático foi diferente para cada gênero. As diferenças de sexo, no estresse severo, foi maior na amostra brasileira que na portuguesa, tendo, nesse indicador de severidade, 22% das mulheres, mas, apenas, 7,6% dos homens registran­do estresse severo. Importante é que essa diferença é muito menor na amostra portuguesa, onde ela é apenas 6,4% contra 3,6%. Logo, há uma grande diferença entre gênero entre brasileiros e outra, bem menor, entre os portugueses.

Tomados em conjunto os resultados, deve ser notado que as mulheres portuguesas experenciaram significativamente mais estresse psicológico do que os homens em onze dimensões da Escala de Estresse Peri-Traumático à Covid-19, composta de 24 dimensões. Por sua vez, as mulheres brasileiras o fizeram em 19 dimensões. Os resultados mostram um estresse psicológico maior na população brasileira quando comparado à portuguesa, com as mulheres tanto brasileiras quanto portuguesas tendo níveis maiores de estresse peri-traumático. Para a boa prática dos cuidados de política pública, o gênero é um fator de risco que necessita ser integrado em cada estágio da resposta às emergências às crises sanitárias globais como o surto pandêmico da Covid-19 que estamos vivenciando por longo tempo.

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